Antes de começarmos é importante ressaltar que esse texto contém gatilhos relacionados a violência sexual, violência física, casos de abuso entre outros tipos. Se esses forem temas sensíveis para você, por favor não leia.

O mundo dos esportes não é reconhecidamente calmo, diversos escândalos permeiam esse universo semanalmente e sempre há um assunto novo para discutir. Não é diferente com a NHL, recentemente dois casos distintos de violência sexual foram protagonistas das manchetes sobre hóquei. Como bem sabemos todas as ligas americanas possuem casos de omissão em relação a jogadores criminosos, mas por ser comum não podem não ser falados e não devem de forma alguma serem naturalizados como algo inerente ao esporte profissional. Para além do escândalo que tais denúncias provocam é preciso que paremos e analisemos com calma como a NHL, nesse caso especifico, e os times lidam com as questões referentes à violência sexual e assedio, além do histórico da liga e dos times em punir tais casos, seja para mantermos a esperança na justiça (sic) ou para exigirmos que novos meios sejam estudados e adotado pelos times e pela liga que assistimos.

Casos no hóquei juvenil

O hóquei em si possui uma cultura masculina e de silenciamento desses traumas, desde cedo os jogadores aprendem a não falar sobre o que sofrem e a normalizar o abuso. É possível ver casos chocantes em diversas ligas do esporte, como por exemplo o da Ontario Hockey League. O ex-jogador da NHL, Daniel Carcillo encabeçou em 2020 uma ação de 16 ex-atletas contra a OHL, as alegações variam desde episódios onde jogadores eram sodomizados com taco de hóquei, jovens que eram obrigado a se masturbar em um pão e o último a ejacular era obrigado a comer o pão, jogadores que eram obrigados a brigarem entre si, a novatos forçados a dormir com prostitutas e até caixas de suor – peço perdão aos leitores mas não prosseguirei com as descrições desses casos em específico. Os trotes eram considerados normais e mesmo quando denunciados não eram vistos como danosos e suas vítimas eram silenciadas, mesmo os casos sendo extremos – sendo descrito por Rick Westhead, Correspondente Sênior da TSN, como “uma enciclopédia de depravação” .

Essa tradição de silêncio faz com que os jogadores, em especial os novatos, sejam os alvos perfeitos para abusadores.A conveniência da comissão técnica, dos times e até mesmo de alguns companheiros de equipe faz com que a violência se torne ainda mais difícil de denunciar. Jogadores, até mesmo os mais consolidados e experientes, não querem se destacar como alguém que pode ter causado algum tipo de desentendimento no vestiário ao denunciar algum tipo de comportamento nocivo. Ao normalizar a violência entre eles, e estando inseridos em uma sociedade misógina, os jogadores acabam por naturalizar essas ações com outras pessoas, fazendo com que os jogadores se tornem também perfeitos predadores.

Como a NHL lida com abuso e a violência sexual?

Existem alguns casos recentes de jogadores ou membros de comissão técnica acusados de algum tipo de violação sexual. No draft de julho deste ano, Montreal Canadiens escolheu no primeiro round Logan Mailloux. Logan compartilhou sem o consentimento de sua parceira fotos de um ato sexual consentido, por esse crime Mailloux foi multado pela justiça sueca e foi suspenso indefinidamente pela OHL devido ao ato do atleta.

Foto: Reprodução/cbc.ca

O próprio jogador, ciente de sua condição, pediu publicamente para que não fosse escolhido esse ano, mesmo assim os Canadiens escolheram ele e segundo alguns insiders, mais de um time estava disposto a escolhê-lo na segunda rodada do draft. Montreal apenas se adiantou e resolveu escolher antes que outros times pegassem o atleta. Segundo o time, eles irão trabalhar para que Logan se torne alguém melhor e que se desenvolva bem. O jogador se desculpou publicamente e tem visto um terapeuta desde que voltou à América.

Isso mostra bastante de como a liga e seus times lidam com casos de assédio, Logan não era um jogador prévio ou consolidado dentro da NHL, mesmo assim foi considerado aceitável para fazer parte da liga. Isso nos leva a pensar o que grandes astros podem fazer sem medo de uma punição aceitável da NHL ou de seus times. 

Além desse caso, temos um time que se encontra no meio de escândalo gigantesco por ter omitido um caso de abuso. O Chicago Blackhawks está sendo investigado pela acusação de acobertar dois casos de abuso sexual cometido pelo antigo tecnico de video da equipe Brad Aldrich, ademais, o time de Chicago mesmo sabendo dos casos ofereceu uma carta de recomendação para o tecnico o que permitiu que ele trabalhasse com jovens em uma universidade e futuramente perpetuasse tais abusos.

Longe de serem casos isolados, esses em específico ganharam a mídia e fizeram com que muitos fãs do esporte exigissem alguma medida da liga. Além desses, existem dezenas de casos denunciados e podemos estimar que centenas não foram denunciados. Podemos, por exemplo, relembrar algumas ocorrências que demostram que a liga desde sempre teve problemas em lidar com casos de abuso sexual, como foi com Billy Tibbetts. Tibbetts teve uma carreira breve na NHL, sendo draftado pelo Pittsburgh Penguins em 2001, jogou pelo time e pelo New York Rangers. Não foi um dos jogadores mais notável ou lembrados, entretanto, ele entrou na liga depois de cumprir 39 meses de prisão pelo estupro de uma garota de 15 anos. Tibbetts não pôde jogar uma partida no Canadá pois era um criminoso sexual condenado, ao menos Tibbetts cumpriu uma pena e pagou por seus crimes antes de entrar na liga. 

Existe também a história de Graham James, ele era o treinador de jovens prospectos e usava de seu cargo para obter acesso a jogadores jovens e abusar deles. Em 22 de novembro de 1996, a polícia de Calgary fez duas acusações de agressão sexual contra James que envolveu mais de 300 encontros por um período de cerca 10 anos. Após as denúncias contra o técnico, James admitiu diversos casos de abusos, entre eles o caso de Theoren Fleury, em 2009. Fleury lançou sua biografia, Play With Fire onde o ele conta que também sofreu abusos por parte do técnico desde os 14 anos de idade durante seu tempo na equipe Moose Jaw Warrior. Além de Fleury, Sheldon Kennedy foi abusado pelo treinador, abalado com o caso o atleta resolveu vir a público e denunciar seu ex-técnico, fazendo com que Graham James fosse acusado de 350 agressões sexuais contra ele. Graham foi considerado culpado em ambos os casos e condenado há três anos, cinco anos e dois anos de prisão respectivamente. 

No mundo do hóquei o assédio parece ser uma questão comum que não deve ser discutida. O caso de Chicago Blackhawks é o mais escancarado da política de “não fale”, segundo um funcionário os casos eram de conhecimento geral dentro da franquia, não só nada foi feito como o técnico de vídeo Brad Aldrich ganhou uma carta de recomendação que deu acesso a inúmeros jovens, não podemos inferir se ele assediou ou fez alguma ação criminosa com algum desses jovens mas em 2013 Aldrich foi condenado por abusar de um jogador de hockey adolescente de 17 anos em Houghton-Michigan.

Como mudar a cultura?

Em 2016, a NHL, em uma tentativa de lidar com esses problemas, iniciou um treinamento obrigatório sobre violência doméstica, agressão sexual e assédio sexual para todos os seus jogadores, entretanto, o treinamento não foi obrigatório para executivos ou comissão técnica. A liga esperava que esse fosse um primeiro passo para um combate mais incisivo sobre violência sexual, entretanto em casos atuais ainda se mostra apática. 

Além da NHL, alguns times e jogadores ao longo dos últimos anos fizeram algumas campanhas de concientização e de combate a violência sexual. No ano de 2013, o Movimento Victor Walk foi criado por Theoren Fleury com o objetivo de conscientizar as pessoas sobre o abuso sexual ifantil. Essa foi uma iniciativa criada por um ex-jogador que passou pelo trauma e resolveu fazer algo sobre. No primeiro ano de caminhada o Calgary Flames convidou Fleury para falar sobre a causa em um jogo, por isso em 29 de março Theoren esteve na Scotiabank Saddledome para falar aos fãs, além de ter distribuído autógrafos antes do jogo no hotel, tudo isso para chamar atenção para a causa do abuso infantil.

Após a temporada 2014-2015, o Los Angeles Kings anunciou uma parceria com o Peace Over Violence, um centro de prevenção da violência em Los Angeles, para um treinamento sobre violência fora do gelo intitulado de “Kings Over Violence”. Entre os temas desse programa estava a prevenção de assédio sexual, uso de drogas e conscientização das condutas extragelo, segundo Dean Lombardi, general manager dos Kings na época, o time precisa ter o bjetivo de formar pessoas decentes e não só bons jogadores de hoquei. Além do time da Califórnia temos diversas fundações associadas a times que fazem doações ou ações voltadas ao combate à violência sexual e doméstica, isso contribui para que o problema seja falado e combatido na sociedade. Mas o que isso impacta nos times?

Apesar disso, tais ações são bastante antigas, deixaram de existir ou clamam por serem modernizadas para que possam dar conta de lidar com as questões da melhor forma possível. Ainda nesse caminho há uma falta de transparência da NHL sobre quais foram os resultados práticos delas, apesar de ser muito simples encontrar os anúncios delas no site da liga é basicamente impossível encontrar artigos sobre a implementação dessas ações e sobre seus frutos. A NHL busca se mostrar moderna, atenta às pautas atuais e diz querer que seus jogos sejam um espaço seguro para minorias, entretanto todo esse discurso precisa ser mostrado na prática, não se atendo apenas a tacos da cor do arco-íris ou jerseys rosas de aquecimento. 

Sobre o caso de Aldrich, o Chicago Blackhawks recentemente liberou os resultados das investigações internas, o relatório motivou o pedido de demissão do GM e presidente de operações de hóquei Stan Bowman. Sobre o desenrolar do caso, você pode ler mais clicando aqui. Além disso, Kyle Beach se revelou na quinta-feira (27) como “John Doe” do relatório de Chicago, Kyle contou sua história e falou ao mundo sobre a violência que passou, a entrevista é corajosa e admirável e você pode ler ela aqui aqui.

Esse é um problema que perpassa a organização mas que também tem suas causas voltadas aos fãs, a cultura do hóquei desvaloriza questões como o combate a violências contra minorias sociais. Isso faz com que as vítimas de abuso sejam muitas vezes desacreditadas pelo público, gerando uma pressão em vítimas que ainda não denunciaram que podem vir a se sentir desmotivadas e com medo.

Sabermos dessas histórias é importante, romper a bolha de silêncio e que as vítimas se sintam encorajadas a denunciar é o primeiro passo para encontrarmos uma solução. Entretanto, não podemos tolerar que as denúncias sejam feitas e que nenhuma medida seja tomada ou nenhuma investigação seja iniciada, os times e a liga – assim como a justiça – devem tomar as medidas cabíveis.

Todos os atos e casos apresentados neste texto nos levam para uma reflexão que precisa ser feita urgentemente: qual é a medida cabível para acusados e condenados por crimes sexuais nos esportes? Por serem atletas eles estão em posição de idolatria, de serem considerados heróis, quando são treinadores ou membros da comissão técnica muitas vezes estão em papéis decisivos para jogadores, obtendo poder e acesso a jovens e novatos, mas a após cumprirem  a pena determinada pela justiça eles devem poder voltar? Dessa forma, acredito que uma liga esportiva possa acabar mudando de acordo com o pensamento daqueles que assistem e consomem seus jogos, times e produtos. Por isso gostaria de pedir ajuda a vocês, que me ajudem a entender como os fãs da NHL – pelo menos os brasileiros – pensam sobre isso e qual é a percepção dos fãs de como o time a liga devem lidar com as questões que envolvem violência sexual. Assim, gostaria que respondessem a esse formulário que questiona um pouco sobre o que você pensa sobre esse tema. O formulário é totalmente anônimo então peço sua total sinceridade.

 

E nesse final eu preciso ressaltar se você for uma vitima de violência sexual você não está sozinha, existem diversas rede de apoio para vitimas de violência sexual, você deve ter voz e ser ouvida! Se você sofreu ou testemunhou alguma agressão sexual denuncie pelo 180!