Atenção: este texto fala sobre um caso de abuso sexual, portanto pode ser gatilho para algumas pessoas.

O caso de abuso sexual contra dois ex-jogadores do Chicago Blackhawks era um “segredo aberto” entre funcionários da franquia, tanto dentro, quanto fora do departamento de hockey, de acordo com um ex-funcionário do departamento de marketing da franquia.

O funcionário em questão disse que foi informado pelo assistente de vídeo, Jeff Thomas, durante o verão de 2010 que o então técnico de vídeo Brad Aldrich havia abusado de dois jogadores. O ex-funcionário pede anonimato pois ainda trabalha no hockey profissional e teme retaliações.

“Brad convidava jovens estagiários de forma rotineira para ir até seu apartamento em Chicago para assistir o March Madness (competição de basquete universitário) e outros esportes. Me falaram para me afastar dele, porque ele havia tentado algo em seu apartamento com alguns jogadores. Isso não era algo que apenas algumas pessoas sabiam. Todo a comissão técnica, muita gente sabia… era um segredo aberto.”

As acusações contra os Blackhawks vieram a tona em maio, após um ex-jogador ingressar com uma ação contra a franquia. O jogador, não identificado, em documentos legais alega ter reportado o incidente para o time, que encobriu o caso. O jogador também disse que Aldrich o ameaçou via mensagem de texto e outros meios para ele não prestar queixas.

Uma segunda ação iniciada em maio por um ex-jogador juvenil de hockey de Michigan, também não identificado, alega que os Blackhawks encobriram o abuso de dois jogadores e deram a Aldrich uma carta de recomendação quando ele deixou a franquia no verão de 2010. A carta deu a oportunidade para ele buscar outras vítimas, de acordo com a ação.

Aldrich foi condenado por abusar de um jogador de hockey adolescente de 17 anos em Houghton, Michigan, em 2013. Um ano antes, Aldrich pediu demissão do seu cargo de diretor de operações de hockey na Universidade de Miami, em novembro de 2012, “sob suspeita de ter tocado um atleta de forma indesejada”, de acordo com advogado da universidade, em registros obtidos pela TSN.

A Universidade de Miami contratou uma firma de advogados para conduzir uma investigação independente do período em que Aldrich esteve na universidade, de acordo com a rádio WBEZ de Chicago.

Registros da polícia de Houhgton indicam que um agente entrou em contato com os Blackhawks em 2013 para apurar sobre seu tempo com a franquia, mas a diretora da área de recursos humanos da organização, Marie Sutera, apenas confirmou que Aldrich havia sido funcionário. A diretora pediu um mandado ou um intimação para fornecer mais informações sobre a saída de Aldrich da organização.

Na última semana, a TSN noticiou que dois jogadores dos Blackhawks informaram um dos treinadores da equipe, Paul Vincent, em maio de 2010 que durante as finais de conferência do oeste que eles haviam sido abusados por Aldrich. Vincent destaca que pediu a direção para reportar o ocorrido para a polícia, mas que o seu pedido foi rejeitado. Vincent disse que está disposto a testemunhar a favor dos jogadores nos processos contra os Blackhawks.

“Sinto como se um peso imenso tivesse saído de cima de mim. Eu vou para a corte e contar o que aconteceu. Eu sei o que o time fez para abafar a história e vir adiante foi a coisa certa a se fazer”, disse Vincent.

Vincent alega que após os jogadores irem até ele, em 16 de maio de 2010, em San Jose, ele pediu ao psicólogo dos Blackhawks para dar sequência ao assunto com a direção e os jogadores.

No dia seguinte, Vincent disse que foi chamado para uma reunião com o presidente John McDonough, o general manager Stan Bowman, o vice-presidente de operações Al MacIsaac e o psicólogo James Gary. Na reunião, ele pediu para que a organização informasse a polícia sobre o ocorrido e que seu pedido foi negado.

Após a reunião, Vincent diz ter contato aos assistentes técnicos John Torchetti e Mike Haviland sobre seu pedido para irem a polícia e também sobre a resposta da organização. Nem Torchetti ou Haviland foram encontrados para comentar o caso. Nenhum dos técnicos está mais na franquia.

O atual GM do Montreal Canadiens, Marc Bergevin, que na época era um dos diretores que cuidava da relação entre jogadores e franquia, disse não estar ciente das acusações e não estava na reunião entre Vincent e a diretoria, de acordo com o vice-presidente de comunicações do Montreal Canadiens, Paul Wilson, que escreveu um email para a TSN esclarecendo o envolvimento de Bergevin.

Não se sabe se o assistente à general manager Kevin Cheveldayoff ou o técnico Joel Quenneville sabiam sobre a reunião. Cheveldayoff atualmente é o GM do Winnipeg Jets, que se recusou a comentar sobre as questões dos Blackhawks. Quenneville é o atual treinador do Florida Panthers, que não respondeu quando questionado sobre o caso.

A NHL ainda não respondeu diversas tentativas de contato sobre o caso.

As notícias sobre o ocorrido em maio de 2010 ricochetearam pelo mundo do hockey e atraíram atenção de grupos que advogam a favor de pessoas que sofreram abusos. O ex-jogador da NHL, Sheldon Kennedy, que sofreu abusos de um técnico durante sua carreira, disse que a NHL se recusar a comentar o caso publicamente e designar apenas uma investigação independente é uma atitude covarde.

“É muito covarde não falar sobre isso publicamente e se esconder em seu escritório. Isso é sobre ser líder. A NHL deveria se posicionar e falar sobre o assunto. Fazer tudo o que é possível para descobrir a verdade, corrigir os erros. Tem que haver responsabilidade para as pessoas envolvidas. Onde está responsabilidade dos Blackhawks pelo que aconteceu com aquele garoto em Michigan?”, disse Kennedy em entrevista.

Durante os anos 90, Kennedy jogava pelo Boston Bruins na NHL e compartilhou publicamente que ele havia sido abusado por seu treinador nas ligadas juniores, Graham James, que na época estava entre os treinadores de maior sucesso no oeste canadense. Ele disse que outros treinadores poderiam ter noção do que James estava fazendo e não fizeram nada para impedi-lo.

A coragem de Kennedy levou a mais casos serem revelados no hockey de juniores, o que trouxe a tona uma demanda por justiça no esporte. Kennedy disse sentir empatia pelos jogadores que vieram adiante e contaram sua história para Vincent.

“Posso imaginar o quão difícil foi para eles. O medo, o estresse, ansiedade que sentiram por sei lá quanto tempo. A preocupação. E se eles revelassem e nada acontecesse? Bem, eles revelaram, tiveram coragem e forças pra contar suas histórias e aí o pior pesadelo possível acontece: a porta é batida na cara deles. O abuso sofrido por eles é ignorado.”

Peter Donnelly, professor de políticas esportivas da Universidade de Toronto, disse que a NHL deveria entrar em contato com U.S Center for Safe Sport, uma agência independente e criada pelo governo para investigar casos de abuso no esporte. Se a NHL contratar uma empresa recomendada pelo Centro para conduzir o caso, isso eliminaria as aparências de um conflito de interesses.

“A NHL precisa de uma investigação independente, que vá a fundo e se comprometa a trazer os resultados a público.”

Antes de trabalhar para os Blackhawks, Aldrich foi treinador na Universidade de Notre Dame. Após deixar a NHL, ele trabalhou com a Universidade de Miami.

Baseado nas acusações vindas da NHL e sua condenação, ambas as universidades deveriam abrir investigação, disse Donnelly.

“Não é difícil para as escolas contatar os jogadores que Aldrich teve contato. Os escritórios e os departamentos atléticos mantém registros. Eles deveriam explicar o que está acontecendo e perguntar se algum atleta que foi abusado por ele necessita de acompanhamento e contar sua história. É a coisa mais ética a se fazer.”

O porta voz de Notre Dame, Dennis Brown, não confirmou se a instituição tem uma política para abordar ex-alunos após treinadores ou professores do passado são condenados por um crime sexual.

“Quando fiquei ciente desses incidentes, nós revisamos arquivos e falamos com qualquer um que possa ter informações e aí investigamos”, escreveu Brown por email.

Os representantes da Universidade de Miami não responderam os inúmeros contatos feitos.

Após Aldrich deixar os Blackhawks, ele se juntou a comissão técnica da equipe colegial de em Houghton, Michigan.

“Eu me lembro de perguntar ‘Por que ele está aqui após trabalhar com os Blackhawks?”, o treinador de hockey do time de Houghton, Corey Markham, disse em entrevista. “O tio de Brad era um assistente técnico em nosso time e disse que Brad estava cansado das viagens da NHL”.

“Eu fiquei ‘Nossa, podemos ter um técnico que venceu a Stanley Cup aqui que é muito bom trabalhando com vídeo? Fantástico’ Como ele era da família, não fizemos nenhuma verificação de antecedentes, nada assim.”

Markham destaca que uma verificação de antecedentes não iria levantar nenhuma bandeira vermelha, uma vez que Aldrich não tinha sido condenado pelos casos em Chicago.

Aldrich passou uma temporada com a Houghton High School, após sair para trabalhar na Universidade de Miami como Diretor de Operações de Hockey em Julho de 2012. Ele deixou este posto antes do Natal de 2012, o ex-técnico de Miami, Enrico Blasi disse em entrevista.

“Eu não sei porque ele saiu. Você terá que falar com o departamento jurídico da universidade”, disse Blasi.

Aldrich retornou para a Houghton High School em Janeiro de 2013, disse Markham.

“Ninguém se sentia desconfortável ao redor dele. Eu olho pra trás e todos gostam muito dele.”

Em uma manhã, na metade de 2013, Markham foi chamado para a delegacia de Houhgton e informado sobre o abuso cometido por Aldrich em um adolescente de 17 anos. Aldrich foi posteriormente condenado pelo incidente.

“Eu me senti enojado. Meu maior conselho para os outros técnicos é perguntar as coisas. A maior questão pra mim foi porque ele deixou os Blackhawks. Descubra as razões porque uma pessoa deixou uma emprego como aquele antes de aceitá-lo. Não sejam ingênuos e aceitem o que ouvir”.

Este texto foi traduzido, para ler o original clique aqui.