Há 26 anos, o Winnipeg Jets original, não confundir com o atual, se mudou para a cidade de Phoenix virando o Phoenix Coyotes. O tempo passou, Phoenix ficou para trás, o time se estabeleceu em Glendale e em 2014 foi obrigado a mudar de nome e passou a se chamar Arizona Coyotes. Os Coyotes continuaram a ter más relações com a cidade de Glendale, até que em dezembro de 2021 a relação chegou ao limite quando a organização deixou de pagar 1,3 milhão de dólares em impostos para a cidade. Já em fevereiro de 2022 o Arizona Coyotes achou sua nova casa em uma parceria com a Arizona State University (ASU) de maneira temporária na Mullett Arena, a casa do time de hóquei da ASU para 5 mil espectadores.
O que parece à primeira vista apenas um movimento desesperado, é na realidade um acontecimento muito melhor do que as aparências apontam. Ainda assim, uma arena desse tamanho é considerada pequena para um time da NHL e pode trazer seus problemas. Arizona tem vantagens e desafios nessa mudança para Tempe e para entender isso vamos explorar um pouco a história da franquia, assim como o hóquei dentro do estado do Arizona.
A bola de neve financeira
O estado do Arizona não é exatamente o primeiro lugar que viria a cabeça de alguém quando se fala em hóquei no gelo, nem o segundo, décimo, ou quinquagésimo. É uma região conhecida pelo calor do deserto, uma quase que perfeita antítese a um esporte de gelo, colocar um time profissional de uma grande liga num local assim é uma aposta arriscada. Uma aposta iniciada por um grupo de empresários da cidade de Phoenix em 1995 que acabou levando a franquia para o Arizona, onde os problemas apenas aumentaram.
Resumindo a situação: O Winnipeg Jets, novamente não confundir com o Winnipeg Jets atual (ex-Atlanta Thrashers), passava por problemas financeiros mesmo lotando sua arena sempre. A franquia acabou vendida para um grupo de investidores encabeçado por Jerry Colangelo, que era dono do Phoenix Suns da NBA, o grupo tentou primeiro levar o time para Minnesota aproveitando a saída do Minnesota North Stars, mas sem as garantias de uma nova arena, a opção melhor foi mudar para Phoenix. Os primeiros anos na cidade foram muito bons, o sucesso esportivo levou os torcedores para a arena e parecia garantir a vida da franquia naquele lugar.
Quando se olhava melhor o primeiro problema era a arena inadequada para o hóquei no gelo, o projeto da então America West Arena fazia com que o time precisasse adaptar a área de jogo, deixasse descentralizada em relação às arquibancadas e perdesse lugares. Vários projetos de adaptação da arena foram apresentados, nenhum saiu dos papéis e telas, além disso os prejuízos financeiros ficavam cada vez maiores porque os termos de contrato de leasing da arena eram muito desfavoráveis. No final das contas, os Coyotes tentaram ir para Scottsdale, sem sucesso, tiveram que se mudar para Glendale por falta de opção melhor. E isso era apenas 2004.
No meio desses problemas com a arena, o time foi vendido para o grupo de Steve Ellman, que contava com Wayne Gretzky como um dos investidores, em 2001. Gretzky se envolveu profundamente com o time, virando o chefe de operações e em 2005 se nomeou treinador dos Coyotes e colocou seu agente Michael Barnett como o general manager da franquia. Barnett fez um péssimo trabalho e foi demitido em janeiro de 2007, durante a temporada, o Phoenix Coyotes terminou com 31 vitórias apenas em 2006-07. Gretzky continuou a liderar o time nas temporadas seguintes e, sem chegar aos playoffs, deixou o cargo em setembro de 2009. Também em 2005, quando o time havia chegado a Glendale, a organização teve as operações compradas por Jerry Moyes, dono de outros times esportivos na época e magnata do ramo de transportes terrestres.
Antes de Wayne Gretzky deixar a franquia, a bomba estourou na imprensa esportiva em dezembro de 2008: o Phoenix Coyotes não conseguia pagar suas contas, a NHL estava bancando o time e tinha começado a assumir o controle da franquia. Inicialmente a liga minimizou os impactos enquanto nos bastidores tentava vender os Coyotes, Moyes também fez seus movimentos para trazer novo dono para a franquia e os interesses dos dois lados se chocaram. No fatídico dia 5 de maio de 2009 Gary Bettman e Jerry Moyes teriam uma reunião, Bettman apresentaria a Moyes a proposta de venda da franquia para Jerry Reinsdorf, bilionário de Chicago e dono do Chicago Bulls (NBA) e Chicago White Sox (MLB), os planos de Moyes eram outros, no entanto. Ele previamente havia aberto processo de falência do time, seus planos eram que Jim Balsillie, dono da Blackberry, e que já era conhecido na NHL por ter tentado adquirir o Pittsburgh Penguins em 2006 e o Nashville Predators em 2007, adquirisse os Coyotes tirando o time da falência.
Esse capítulo da história é o episódio do tribunal que muitas séries sempre acabam tendo, primeiro a ação de falência aberta por Moyes foi aceita e assim o estado do Arizona definiria quem poderia comprar o time por intermédio de um juiz. Esse era o plano de Moyes e Balsillie, assim o bilionário apresentou sua primeira oferta, atrelando a aquisição da franquia com a mudança para Hamilton, o juiz negou o pedido porque contrariava as regras da liga e levaria a outro processo legal. A NHL entrou na briga fazendo suas ofertas também, todas negadas por serem consideradas insuficientes, a batalha foi se estendendo, a cidade de Glendale entrou na disputa como interessada.
Em 2009 a NHL acabou conseguindo comprar o Phoenix Coyotes, assumiu a administração da franquia e esperou encontrar quem comprasse. Isso não aconteceu até 2013, para resumir bem tudo o que aconteceu nesse período: alguns grupos queriam comprar os Coyotes para se mudar, a cidade de Glendale e o estado do Arizona tentavam promover a permanência dos Coyotes, a NHL não conseguia fechar negócio. A própria liga queria que o time saísse da cidade inicialmente, fosse para outro lugar no Arizona ou outro estado, mas ótimos incentivos fiscais apareceram e o grupo que acabou comprando o time achou melhor permanecer.
Fim da novela? Não! A cidade de Glendale e o estado do Arizona fizeram um acordo para abater impostos do time, o que garantiu sua permanência na cidade. Um ótimo acordo, o time virou Arizona Coyotes, ganhou 15 anos de subsídios e uma grande economia, tudo isso aconteceu entre 2013 e 2014. Mas aí, o conselho da cidade de Glendale decidiu terminar esse contrato com a justificativa que o acordo lesava a cidade. Os Coyotes conseguiram aprovar outro acordo, que o tempo todo ficava sendo contestado. A nova administração da cidade claramente não queria o time ali.
O time mudou de donos outras vezes, parou nas mãos de Alex Meruelo, que negociou com outras cidades do Arizona para mover o time. Foi aí que em 2021 a cidade cobrou suas dívidas, um novo acordo não seria feito. O que fazer? Ir para Tempe, como o time queria, mas não da forma ideal.
Há males que vêm para o bem?
As cidades de Tempe e Glendale estão separadas por 34 quilômetros de estradas, ambas dentro da região metropolitana de Phoenix. Esses 34 quilômetros são uma distância considerável na demografia do hóquei no gelo dentro do Arizona, Tempe está no chamado vale leste de Phoenix, lugar que concentra a maior fatia da audiência do Arizona Coyotes na televisão. De fato, grande parte do público que ia até a arena em Glendale vinha da região do vale leste e o time já até teve um programa para ajudar no deslocamento para assistirem os jogos. Desde que chegou ao Arizona, a região do vale leste e a cidade de Phoenix eram as metas do time.
No passado os Coyotes já tentaram algumas vezes permanecer ou voltar a essa região, no passado chegou a existir um bom acordo para uma arena em Scottsdale, que foi estragado por um dos antigos donos. Mais recentemente, em 2016 foi apresentado um plano para uma arena em Tempe, próxima às instalações da ASU, o plano original não foi aprovado, no entanto. Mudanças foram feitas e um novo plano foi apresentado mais recentemente, a arena seria totalmente paga por fundos privados e seria a atração central em um centro de esportes e entretenimento. O projeto começou a avançar dentro do sistema burocrático, existe muita confiança de que esse projeto será aprovado e a grande novela da casa permanente dos Coyotes no Arizona chegará ao fim.
Ir para a Mullett Arena é um bom começo para o Arizona Coyotes no processo de se estabelecer na região e mais especificamente em Tempe. O grande problema é a forma como aconteceu, pode-se dizer que foi preciso o time ser expulso de Glendale para que finalmente fosse para o lugar mais adequado. E todos os anos de atraso, todas as disputas legais, tudo isso acaba pesando também nessa mudança, afinal o time jogará em uma arena muito menor, por isso a capacidade de obter renda com ingressos cai e é um fator para se preocupar a longo prazo.
Podemos concordar que para uma liga com os padrões da NHL uma arena com capacidade para 5 mil torcedores está bem abaixo do ideal. Esse não era o lugar que os Coyotes esperavam estar nesse momento de sua história, o sonho de uma casa própria, ou ao menos um lugar melhor para mandar os jogos, não está perto de se realizar e a franquia precisou agir emergencialmente. O acordo para jogar na arena da ASU inicialmente vai até 2025, até lá pode ser que o plano da casa própria seja colocado em prática. Se isso não acontecer, parece impossível uma permanência no Arizona.
A grande questão da nova casa é, no final das contas, a oportunidade que o Arizona, e aqui me refiro ao estado, ganhou para mostrar que é capaz de manter um time da NHL. Até agora a experiência dos Coyotes não foi boa, mas o time sempre esteve no lugar errado, fosse pela arena ou a região onde mandava os jogos. Agora chegou a hora do vale leste brilhar e provar de uma vez por todas que realmente está pronto para essa tarefa, um teste há muito negado. As barreiras hoje são muito maiores, no entanto se Tempe e todo o vale leste mostrarem sucesso, a história vai ganhar um brilho muito maior. Para isso basta apenas conseguirem fazer o time lucrar, ter como pagar as dívidas, fazer sua arena própria e construir bases mais profundas na região para fidelizar o torcedor e continuar girando a economia do esporte ao seu favor na região. Tarefas muito simples, certo?
Coyotes, NHL, economia e futuro
Para finalizar, vamos analisar agora a questão econômica da NHL e do Arizona Coyotes dentro desse grande esquema para percebermos o tamanho do impacto que a história prévia teve na franquia hoje. E, a partir desse ponto, contemplarmos o futuro e as possibilidades que podem ser previstas.
Sabe a grande bola de neve financeira que ameaça passar por cima dos Coyotes? Segundo estimativas da Forbes, o Arizona Coyotes tem uma dívida equivalente a 78% de seu valor. Se os Coyotes foram avaliados em 400 milhões de dólares, o valor da dívida total gira em torno de 312 milhões de dólares. Não é simples sair disso, a franquia precisa entrar nos eixos e começar a lucrar para pagar as dívidas acumuladas, o que começa a parecer possível já nos primeiros momentos em Tempe efetivamente. De qualquer forma, já vimos times saírem de dívidas maiores do que 78% do seu valor total, então uma saída existe, mesmo que não seja simples e fácil.
Uma grande questão é do recorde negativo na área financeira após muitos anos, pegando apenas o período no Arizona a franquia não teve sucesso após 26 anos. Não podemos medir palavras: é ruim e vergonhoso. No entanto, também não há nada de inédito nisso dentro da NHL, Pittsburgh Penguins e Los Angeles Kings passaram muito tempo até conseguir começar a crescer como franquias. Os mercados de Los Angeles e Pittsburgh eram muito bons para a NHL abandonar facilmente, e mesmo assim os Penguins chegaram perto mais de uma vez de ir embora da cidade de Pittsburgh. À primeira vista, o Arizona parece um lugar muito fácil de se deixar para trás para uma franquia esportiva das grandes ligas, a questão é que não é, pelo contrário. Custos operacionais baixos seguidos de um crescimento econômico e populacional na área de Phoenix, com tendências para continuar por muitos anos, por conta das novas grandes empresas de tecnologia, além de realocações de operações para a área, especialmente no vale leste. Então, o público já está lá e tem a tendência de crescimento ainda, por que não aproveitar?
E aí mora um dos benefícios que os Coyotes podem desfrutar nesse momento: valores dos ingressos. Um mercado mais rico somado a um local com ingressos muito mais limitados só poderia gerar valores mais elevados para os ingressos, o que nesse caso ajuda o time. Nos últimos anos o valor médio do ingresso para um jogo dos Coyotes era de 90 dólares, hoje o valor está em 170 dólares, uma grande diferença na prática. Em contraponto, o valor médio para um ingresso da NHL atualmente é de 154 dólares, ou seja, o valor de ingresso médio dos Coyotes é apenas 16 dólares maior do que o da liga. E isso já gerou receitas 50% maiores que a temporada passada nas vendas dos pacotes para toda a temporada.
Um último e importantíssimo ponto sobre os Coyotes no Arizona é a sua torcida. Pode chocar quem vive de manchete e memes nas redes sociais, contendo ou não alguma porcentagem de recalque, mas o Arizona Coyotes tem sim uma torcida. Uma torcida que já foi importante quando o conselho da cidade de Glendale quebrou o contrato de leasing da arena em 2015, os torcedores mostraram sua presença em demonstração pela permanência na cidade, incluindo discursos nas audiências públicas sobre o caso. Existe um interesse legítimo da população do Arizona nos Coyotes, especialmente na região para onde o time se mudou atualmente, e esse interesse é o que pode levar a aprovação dos planos para a arena própria do time em Tempe e garantir a permanência dos Coyotes no Arizona. São esses mesmos torcedores que se dispunham a enfrentar trânsito para chegar até Glendale e apoiar o time nos jogos, e agora com o time mais próximo essa disposição deve ser mais comum nas pessoas da área
Ninguém pode viver de promessas, especialmente quando já se tem uma dívida alta e sua situação de sede não é muito clara. O que Arizona Coyotes precisa agora é convencer seu público a dar suporte, e para isso vai precisar de um ótimo trabalho na seleção de jogadores, negociação de contratos e com resultados esportivos expressivos. Um time que se destaca esportivamente atrai atenção, que atrai torcedores, que trazem visibilidade para patrocínios e contratos de televisão melhores no futuro, bem como dinheiro para gastarem com o time. Por mais que os Coyotes tenham torcedores, eles ainda não são tantos assim, e o time tem trabalhado em se promover para pessoas mais jovens, o que no Arizona também significa um impacto direto na comunidade latino-americana. Um momento! Então quer dizer que o Arizona Coyotes descobriu o grande segredo do sucesso já utilizado por outros times em mercados não tradicionais do esporte? Demorou, mas finalmente aconteceu!
Não sabemos o que vai acontecer no futuro, podemos tentar prever apenas, e com uma grande margem de erro. Para o esporte hóquei no gelo o sucesso de um time da NHL num lugar como o Arizona seria muito bem-vindo, é justamente sair do lugar-comum e mostrar que o esporte pode dar certo em mercados aparentemente não muito propícios climaticamente. Apesar de já ter dado certo em Los Angeles e ter se encaminhado para dar certo em Tampa Bay e Las Vegas, a NHL tem tido dificuldade com os mercados mais ao sul, como negócio são mercados grandes e importantes que podem trazer maiores lucros e por isso não se tem como abandonar tão facilmente.
O momento mais propício de abandonar o Arizona já passou, foi há 12 anos, agora estamos em outra era e momento. Quando você se perguntar por qual razão Gary Bettman gosta tanto do Arizona, agora você entende que é um lugar muito atrativo para os negócios, e a NHL no final das contas é sobre isso também. Mesmo que os Coyotes não tenham ainda garantido uma permanência mais duradoura no Arizona, os planos para que isso aconteça estão em execução há algum tempo. Planos podem dar errado, como já deram anteriormente no caso dos Coyotes, mas quando pensados e planejados com atenção e cuidado tem maiores chances de dar certo, a grande questão é se essa atenção e cuidados foram tomados ou não.
Se no futuro o Arizona Coyotes se tornar uma franquia de sucesso no gelo e fora dele, toda essa história vai gerar ótimos materiais audiovisuais e livros. E esses tipos de produção são forma também de promoção e lucro para as organizações esportivas, fazendo com que a grande roda econômica continue a girar ao seu favor, o que garante mais futuro. O sistema é retroalimentável, ou quase isso, expectativas fundadas geram futuro concreto. O segredo para os Coyotes está aí, de uma forma mais complexa.