Com a queda nos pênaltis diante da Croácia, o Brasil chegou à quinta eliminação consecutiva em Copas do Mundo. Quase todas deixaram algum trauma. Não serve de consolo, mas toda grande seleção nacional em qualquer esporte passa pelo mesmo. No hóquei, as eliminações da Suécia (nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2002), do Canadá (nas Olimpíadas de 2006) e da Rússia (na edição de 2014) também foram traumáticas e alvo de críticas ferozes em seus países. 

Desde que passou a contar com a participação das estrelas da NHL, em 1998, o torneio olímpico de hóquei no gelo se tornou a modalidade internacional mais cobiçada da categoria – o que temos de mais próximo de uma Copa do Mundo da FIFA.

Claro, já haviam torneios como a Canada Cup, que abraçava os jogadores profissionais muito antes das Olimpíadas. Depois veio a própria Copa do Mundo de Hóquei, sem periodicidade definida. Ainda, o Campeonato Mundial anual é disputado desde 1930. Mesmo assim, nenhum torneio de seleções tem o mesmo prestígio do evento olímpico. Coisa que, aliás, acontece com todo esporte que não o futebol.

Na cultura do esporte, o ouro olímpico passou a ser tão valorizado que a federação internacional cunhou o termo Triple Gold Club, que pode ser adaptado livremente como a “Tríplice Coroa” do hóquei, para se referir a jogadores que tenham vencido pelo menos uma Stanley Cup, um Campeonato Mundial (ou Copa do Mundo) e um Torneio Olímpico.

Com a NHL vetando a participação de seus atletas nas Olimpíadas desde 2018 e planos para estabelecer a Copa do Mundo como o maior torneio internacional da modalidade, é possível que essas relações mudem no futuro.

Canadá, Nagano 1998

A primeira grande decepção aconteceu justamente em 1998, nos Jogos de Nagano, no Japão. Criador do esporte, o Canadá não conquistava o ouro desde 1952 e vinha de dois vice-campeonatos seguidos. Com o profissionalismo liberado e uma seleção formada por Wayne Gretzky, Eric Lindros no auge, Scott Stevens, Joe Sakic, Brendan Shanahan, Steve Yzerman e Theoren Fleury, entre outras estrelas, o país vivia a esperança de retomar a hegemonia. Não aconteceu.

O Canadá acabou eliminado nos pênaltis pela futura campeã Tchéquia nas semifinais. Na disputa pelo bronze, os canadenses perderam para a Finlândia e, ironicamente, Gretzky terminou sua brilhante carreira sem medalha olímpica.

Apesar da frustração, a seleção canadense não sofreu críticas tão pesadas da mídia especializada.

O Canadá se redimiria em 2002, nos Jogos de Salt Lake City, nos Estados Unidos, onde, com a mesma base de Nagano e show de Lemieux e Paul Kariya, enfim conquistou a medalha de ouro, 50 anos depois e em cima dos donos da casa. Mas a primeira Olimpíada do Século XXI trouxe consigo outra grande decepção: a Suécia.

Suécia, Salt Lake City 2002

Capitaneados por Mats Sundin, os suecos estavam desfalcados de Peter Forsberg, machucado, mas tinha Lidstrom, Marcus Naslund, Daniel Alfredsson, Tomas Holmström e tantas outras estrelas. O time treinado por Hardy Nilsson fez uma primeira fase primorosa, com 100% de aproveitamento, goleada de 7 a 1 na Alemanha (!) e vitória tranquila sobre o Canadá por 5 a 2.

Mas o caldo entornou nas quartas-de-final e a Suécia foi eliminada por 4 a 3 para uma surpreendente Bielo-Rússia, com gol decisivo de Vladimir Kopat nos minutos finais da partida. A mídia sueca, que até então exaltava a campanha maravilhosa, classificou a derrota como “fiasco”. Com altos salários em seus clubes, os astros da NHL foram taxados de “mercenários” no país escandinavo e o goleiro Tommy Salo foi um dos mais criticados.

Essa foi uma das maiores zebras do hóquei internacional. A Bielo-Rússia acabou massacrada pelo Canadá na semifinal por 7 a 1 (todo dia, um diferente). Na disputa do bronze, outra surra: 7 a 2 para a Rússia, o que aprofundou ainda mais o vexame sueco.

A redenção não demorou. Nos Jogos de Turim, na Itália, em 2006, a Suécia pagou a conta e conquistou a medalha de ouro sobre a vizinha Finlândia. A derrocada da vez ficou por conta do Canadá.

Canadá, Turim 2006

Diferente de 1998, em 2006 o Canadá teve uma campanha pífia, construída (ou “desconstruída”) ainda na primeira fase, com duas derrotas.

Perder por 2 a 0 para a Finlândia, aquela talentosa Finlândia de Teemu Selanne, Saku Koivu e Jere Lehtinen, não era algo incomum. Mas cair para o mesmo placar diante da Suíça ligou o sinal de alerta.

Terceiro lugar no grupo A, o Canadá enfrentou a Rússia nas oitavas, mas não dá para dizer que a derrota para os suíços pesou: caso tivessem ficado em segundo, os canadenses enfrentariam os suecos.

Ou talvez não. O cruzamento foi motivo de controvérsia e a Suécia foi acusada de perder “de propósito” para a Eslováquia na última rodada para evitar pegar o Canadá no mata-mata. Quando os suecos foram para o rinque, à noite, já se sabia que os canadenses terminaram em terceiro na outra chave.

Com polêmica ou sem polêmica, o Canadá foi eliminado pela Rússia nas quartas, novamente perdendo por 2 a 0.

Liderada por Joe Sakic e engrossada por Jarome Iginla, Rob Blake, Martin Brodeur e Chris Pronger, remanescentes de 2002, a equipe nacional havia sido renovada com Joe Thornton, Vincent Lecavalier, Rick Nash, Martin St. Louis, Roberto Luongo, Brad Richards… Em 2019, uma lista de Josh Wegman, de The Score, considerou essa a pior seleção canadense olímpica na era do profissionalismo.

A exemplo da Suécia, o Canadá aprendeu sua lição. Aprendeu tão bem que ganhou as duas medalhas de ouro seguintes: 2010 em Vancouver, jogando em casa, em uma final dramática contra os Estados Unidos, vencida por 2 a 1 na prorrogação; e 2014 em Sochi, na Rússia, com 3 a 0 sobre os suecos na decisão.

Rússia, Sochi 2014

Sochi acabou sendo traumática para a seleção russa, que sempre foi uma potência do esporte e sempre contou com grandes jogadores, mas, desde a dissolução da União Soviética, não ganhou mais medalhas de ouro. A grande chance de virar essa maré seria em 2014, jogando em casa.

O que se viu, no entanto, foi uma campanha inconsistente marcada por uma antológica disputa de pênaltis com os Estados Unidos. A derrota para os americanos, ainda na fase de grupos, jogou os russos para a rodada de classificação e o país-sede acabou enfrentando um caminho tortuoso.

Após passar pela Noruega, a Rússia foi eliminada nas quartas-de-final para a Finlândia, que terminaria o torneio com a medalha de bronze.

A eliminação russa causou comoção, com até mesmo autoridades políticas do país “metendo o bedelho”, criticando não apenas a seleção, mas a organização do torneio e a IIHF. A queixa era um gol anulado na partida contra os Estados Unidos, que daria a vitória à Rússia e talvez mudasse sua história no torneio.

Alexander Ovechkin, em situação parecida com o que aconteceria com Lionel Messi e a Seleção Argentina, se comprometeu a seguir jogando pelo país e buscar a medalha de ouro nos torneios seguintes.

Se a Suécia passou pelo maior vexame, a eliminação russa, por todo o contexto, foi de longe a mais traumática.

A exemplo de suecos e canadenses, a redenção dos russos aconteceria já em 2018, mas não do jeito que esperavam ou gostariam. A seleção russa conquistou a medalha de ouro nos Jogos de Pyeongchang, na Coreia do Sul, vencendo a Alemanha por 4 a 3 na prorrogação.

O time, no entanto, não pode usar o nome “Rússia” devido a sanções do Comitê Olímpico Internacional, e competiu como “Atletas Olímpicos da Rússia”. Também não teve suas estrelas, já que a NHL não liberou seus jogadores.

Assim, Ovechkin segue sonhando com sua primeira medalha olímpica, e a revanche que os russos tanto sonhavam acabou parecendo incompleta.

Texto por Thiago Leal – @thiagocaleal