A conquista da Stanley Cup pelo Florida Panthers, agora em 2024, coroou uma reconstrução da franquia que vem de alguns anos e já gerou frutos como um Presidents’ Trophy (2022) e um vice-campeonato (2023). Os Panthers, no entanto, “surgiram” para o mundo do hóquei em 1996 e, impulsionados por um rato, chegaram à sua primeira final, em uma história que deu origem a toda uma cultura, ainda que de nicho.
Fundado em 1993 por Wayne Huizenga, magnata dono da rede de locadoras de vídeo Blockbuster, o Florida Panthers tinha apenas dois anos de vida no começo da temporada 1995-96. A NHL passava por uma série de mudanças naquela década, inclusive uma onda de expansões que deu origem aos próprios Panthers.
Mas o clube era encarado apenas como manobra comercial, uma forma da liga ganhar mercado, assim como todas as franquias mais ao sul dos Estados Unidos surgidas naquele momento, sua vizinha Tampa Bay Lightning, San Jose Sharks, Mighty Ducks of Anaheim (hoje Anaheim Ducks) e, posteriormente, Nashville Predators e Atlanta Thrashers (hoje, Winnipeg Jets).
Depois de duas temporadas sofríveis, aquele ano começou de uma forma atípica com um curioso incidente. Era 8 de outubro, os jogadores se aqueciam no vestiário da Miami Arena, onde o time jogava na época, na cidade de Miami. Os Panthers vinham de uma derrota por 4 a 0 para o New Jersey Devils fora de casa e aquele seria seu home opener.
De repente, um rato apareceu correndo, causando um ligeiro tumulto no vestiário. Scott Mellanby acertou uma tacada no bicho e o matou. Pobre animal… sim, ratos são pragas e causam doenças etc. Ainda assim, eu preferia que tivesse escapado e o lugar fosse devidamente desinfectado. Fato é, o rato foi morto.
No jogo, os Panthers venceram o Calgary Flames por 4 a 3. Mellanby marcou dois gols e o goleiro John Vanbiesbrouck brincou que o colega anotou um “rat trick”, em um trocadilho óbvio com hat trick. O incidente virou notícia e a história foi ganhando força.
Segundo o próprio Mellanby, os fãs locais, ainda pouco habituados ao hóquei, não sabiam seu nome e se referiam a ele como “o cara do rato.”
Assim, surgiu uma oportunidade de marketing tão única que parecia até ter sido roteirizada. É que o nome do time, Florida Panthers, deriva da pantera-da-flórida, uma população de puma endêmica da região sul do estado.
Por ser um felino de médio porte, é comum que os americanos o chamem simplesmente de “cat” — é um costume que não temos em português, mas em inglês é normal se referir a leões, tigres, onças e outros grandes felinos como “gatos.” Logo, o apelido do Florida Panthers é Cats. E gatos caçam o quê?
O marketing do clube abraçou a história. Os fãs dos Panthers começaram a jogar ratos de borracha no rinque após os gols, o que logo se tornou um problema. Na NHL, há essa tradição de lançar coisas no gelo. A mais famosa é o polvo, arremessado pela torcida do Detroit Red Wings após gols nos playoffs, mas pode acontecer de fãs de Edmonton jogarem carne e já houve registro de um tubarão-leopardo, uma espécie pequena de tubarão, que foi atirado em um jogo do San Jose Sharks.
Mas tudo isso, polvos, pedaços de carne… ou mesmo um tubarãozinho… dá um certo trabalho de conseguir, de carregar até a arena e jogar no gelo. Logo, espera-se que apenas alguns torcedores se atrevam. Um rato de borracha é muito mais simples, todo fã podia levar o seu e logo o número de brinquedos no gelo chegou aos milhares, atrasando bastante o recomeço das partidas.
Liga e franquia fizeram um acordo que foi seguido à risca pela torcida: ratos jogados no gelo, só após o fim dos jogos, embora, muitas vezes, a empolgação tenha levado fãs a desobedecer a regra e atirar os bichos após os gols.
Junto com o pobre rato sacrificado no vestiário, os ratos de borracha atirados no gelo impulsionaram uma campanha surpreendente do Florida Panthers.
Claro, hóquei não se faz com roedores e brinquedos e não foi a tradição do Rat Trick que levou os Panthers adiante. Liderados pelo “dedetizador” Mellandy, Florida avançou aos playoffs pela primeira vez e acabou se tornando a grande história na Conferência Leste.
Nos playoffs, em um time que o protagonismo era distribuído pelo elenco, as grandes estrelas foram Stu Barnes, Dave Lowry e, especialmente, Ed Jovanovski.
Calouro que ainda nem tinha completado 20 anos de idade, Jovanovski foi a 1ª escolha geral no Draft de 1994. Naqueles playoffs, o defensor se mostrou o protótipo de jogador que todo time sonha: agressivo, sem medo de ir para cima e acertar hits em grandes estrelas e caras maiores que ele.
Após os Panthers passarem pelo Boston Bruins na primeira rodada, Jovanovski ficou responsável por marcar Eric Lindros, astro do Philadelphia Flyers, na semifinal de conferência.
Lindros precisa de um texto à parte, mas dá para dizer que, em meados dos anos 90, ele era uma figura como Connor McDavid. Naquele ano, ele vinha de 117 pontos na temporada regular e defendia o prêmio de MVP, ganho em 1995.
O retrospecto e o fato de ser o garoto-propaganda da liga na época não assustaram Jovanovski, que foi implacável durante a série. Anular Lindros era impossível, mas Jovocop, como era conhecido, fez o que podia para reduzir a produtividade do Big Guy — e conseguiu.
Jovanovski se tornou um incômodo tão forte para Lindros que o líder dos Flyers perdeu a cabeça e chegou a agredi-lo, acertando-lhe uma tacada em um lance fora da disputa do puck, falta conhecida como slashing.
Os Panthers eliminaram os Flyers em seis jogos e seguiram para a final da Conferência Leste, onde tiraram o
Pittsburgh Penguins, de Jaromir Jagr e Mario Lemieux, e conquistaram o Prince of Wales Trophy.
Tudo isso sobre uma chuva de roedores borrachudos. Houve jogo em que, após o encerramento, se contou mais de 2 mil ratos no gelo!
Infelizmente para Florida, a campanha heroica terminou na final da Stanley Cup, onde foi varrido pelo Colorado Avalanche das futuras lendas Joe Sakic, Peter Forsberg, Adam Foote e Patrick Roy. Outro time que vinha de uma história muito interessante, pois disputava sua primeira temporada em Denver — até 1995, o clube era o Quebec Nordiques.
Sonho acabado, os Panthers levaram como legado daquele ano uma nova cultura e identidade para a franquia.
Clubes canadenses ou de estados mais ao norte dos Estados Unidos, como Michigan e Minnesota, têm um apelo natural ao hóquei, pois atendem a uma população que cresceu familiarizada com o esporte. Mas nos estados mais ao sul, caso da Flórida, a modalidade é ainda mais de nicho e é necessário um grande esforço para fidelizar o público. Por isso o rato se tornou tão importante, especialmente vindo com a dicotomia gato-e-rato.
Claro, mais uma vez, não é só de roedores e brinquedos que se faz um time. Após 1996, os Panthers amargaram anos de sofrimento.
A história da franquia rumo ao sucesso só virou a partir dos anos 2010, com os gerentes gerais Dale Tallon e, posteriormente, Bill Zito. O clube passou a se reforçar, conquistou o difícil Presidents’ Trophy em 2022, foi finalista da liga em 2023 e em 2024, enfim, veio o tão sonhado título. Curiosamente, liderado por Matthew Tkachuk, um jogador apelidado The Rat King, por sua postura marrenta e por ser “pegajoso” — “rei dos ratos”, termo também usado em português, é um fenômeno em que vários ratos ficam grudados uns aos outros. Cai bem nos Panthers.
Foram 28 anos até que os ratos, enfim, pudessem fazer a festa — na presença dos gatos.