No fim de fevereiro, o Chicago Blackhawks aposentou a camisa 7 em homenagem a Chris Chelios, capitão do time durante os dolorosos anos 90. A presença do ídolo também serviu de exemplo para inspirar os jovens jogadores, encarregados de mais um rebuild na história quase centenária da franquia. Com uma das carreiras mais longevas da NHL, Chelios não foi apenas a cara do clube, mas também a da cidade, da qual é nativo. Seu capítulo mais curioso em Chicago e no hóquei, no entanto, com outro clube da região, o Chicago Wolves.

Chelios chegou à NHL em 1984 e, em seis anos e meio com o Montreal Canadiens, conquistou a Stanley Cup de 1986, foi vice em 1989 e se estabeleceu como um dos melhores defensores da Liga. De Montreal, foi para Chicago, sua cidade natal, defender seu time de infância, o Blackhawks.

Capitão do time de infância. Não é algo tão comum na NHL… Foto: Mike Ridewood/Canadian Press/Associated Press

Foram nove anos jogando por Chicago e mais um vice da Stanley Cup, em 1992. Chelios foi capitão do time de 95 até a sua saída, na reta final da temporada 1998-99. Aos 37 anos, foi negociado com o Detroit Red Wings, que pagou caro pelo seu passe, uma troca muito contestada na época. Resultado? Mais dez anos em Hockeytown, campeão da Stanley Cup em 2002 e 2008.

Na offseason de 2009, Detroit anunciou que não renovaria com Chelios e o defensor ficou sem time. Aos 47 anos de idade, poderia pendurar os patins e ir curtir a vida. Cuidar da sua rede de restaurantes, passar mais tempo ao lado dos dois filhos e duas filhas, ir a shows com seu amigo Billy Corgan, vocalista do Smashing Pumpkins.

Negativo. Em vez disso, Chelios escolheu ir em frente, dessa vez por um caminho menos pomposo, sobretudo para alguém de seu status profissional: o veterano assinou um contrato de experiência de 25 jogos com o Chicago Wolves, da American Hockey League.

Fundado em 1994, o Wolves foram membros da International Hockey League, da qual foram campeões em 1998 e 2000. Como a IHL encerrou suas atividades em 2001, o Wolves entraram para a tradicional AHL e foram campeões da Calder Cup já em sua primeira temporada.

A American Hockey League é a principal Liga de desenvolvimento da NHL. As franquias da maior Liga do mundo

Velho lobo: Chris Chelios no Chicago Wolves, aos 47. Foto: TheMayor

mantêm parcerias e afiliações com clubes da AHL, para onde manda seus jovens jogadores para ganharem experiência ou veteranos que, vez por outra, são chamados para suprir alguma urgência.

 

Apesar de jogar em Rosemont, um subúrbio de Chicago, o Wolves nunca foi filiado ao Chicago Blackhawks – que, hoje, tem como farm team outra equipe no estado de Illinois, o Rockford IceHogs.

Na IHL, o Wolves foi filiado ao New York Islanders e, desde sua entrada na AHL, o time já teve diversas matrizes: Atlanta Thrashers foi a mais duradoura, de 2001 a 2011. Depois, passou por Vancouver Canucks, St. Louis Blues, Vegas Golden Knights e Nashville Predators. Hoje, o clube é o único independente na AHL, sem filiação definida.

Mas em 2009, o time era filiado ao Atlanta Thrashers. O contrato de Chelios, no entanto, não foi com a NHL, mas

diretamente com o Wolves. “Não tenho objetivo. Só quero continuar jogando”, disse, quando questionado por que entrou naquela aventura.

 

Amigos famosos: Chelios assiste a jogo de beisebol ao lado de John Cusack. Note o boné do Chicago Wolves na cabeça do ator! (Foto: Chicago History)

Ora… o que mais se não a vontade de seguir patinando explicaria um milionário assinar um contrato de experiência com um clube modesto e abrir mão de fins de semana em sua mansão na costa californiana, na companhia de grandes celebridades?

Chelios, na verdade, já havia dado pistas sobre como gostava do esporte em 2004, ano de sua primeira passagem por uma equipe profissional de ligas de baixo.

Aquela temporada da NHL foi cancelada, devido ao locaute forçado pela negociação entre a Liga e o sindicato dos atletas.

Naquela ocasião, no geral, a saída dos jogadores foi: os jovens e prospectos, jogariam na AHL, nos clubes filiados às franquias da NHL. As estrelas se mandaram para a Europa, para seguir jogando em alto nível. E os veteranos aproveitaram o ano off para descansar.

Não foi o que Chelios fez. Aos 42 anos de idade, ele preferiu seguir em Michigan, mas continuou jogando, pelo Motor City Mechanics, time da extinta United Hockey League.

Mas o contexto era outro. Se em 2004, Chelios era um veterano que queria se manter em atividade, pois tinha um contrato vigente na NHL, em 2009 ele não tinha mais vínculo profissional algum.

 

A história de como Chelios fechou com o Wolves é simples: o defensor ligou para o ex-jogador Don Granato, então head coach da equipe. “Posso jogar no seu time?”, pediu. “Claro!”, foi a resposta. “Vou precisar te chamar de treinador?”, “Com certeza!”

Ironicamente, Chelios nunca chamou Granato de “treinador.” Ele foi demitido um dia antes de sua chegada. De qualquer forma, o all-star fez questão de aliviar a barra de quem viesse comandar o time e, humildemente, não forçou escalação. “Não vou chegar chegando e comprometer o sucesso do time. É um desafio. Só jogo se tiver condições.”

Mas Don Lever, head coach que assumiu o controle, o pôs para jogar e certamente não se arrependeu, tanto que seu contrato de experiência foi estendido em mais 25 jogos.

Curta passagem pelo Atlanta Thrashers. Foto: Terry Gilliam/Associated Press

O desempenho inicial foi tão bom que Chelios ganhou mais uma chance na NHL: o Atlanta Thrashers, franquia filiada ao Wolves, lhe ofereceu um contrato, também de experiência. Um novo contrato, já que o vínculo original do defensor era com o Wolves. Porém, foram apenas sete jogos em Atlanta.

Já aos 48 anos de idade, o peso do tempo finalmente cobrou seu preço e Chelios foi mandado de volta para o Wolves, agora como jogador da organização Atlanta Thrashers. 

Ele não demonstrou ressentimentos e disse que um eventual retorno a Chicago já havia sido combinado com o técnico John Anderson, caso não rendesse o esperado. O próprio defensor admitiu que não seria justo que um veterano como ele ocupasse a vaga de um jovem prospecto buscando seu espaço apenas por seu nome e fama pregressa.

O interminável Chelios concluiu a temporada pelo Wolves, incluindo 14 partidas de playoffs da AHL. Naquela

Três Stanley Cups, uma Copa do Mundo e medalha de prata olímpica. Foto: Gene J. Puskar/Associated Press

offseason, enfim, atendeu ao chamado da natureza e se aposentou dos rinques, mas não do hóquei. Seguiu trabalhando nos bastidores. Em 2013, ele foi eleito para o Hall da Fama do hóquei, por todas as suas contribuições — além da carreira brilhante na NHL, o ex-defensor jogou pela Seleção Americana por 22 anos, foi campeão da Copa do Mundo em 1996 e medalha de prata nos Jogos Olímpicos em 2002.

 

No último 25 de fevereiro, o Blackhawks realizou a cerimônia de aposentadoria de sua camisa — justamente contra o

Red Wings, melhor adversário possível. Pegaram Chelios de surpresa. O ex-defensor estava acompanhado da família e de amigos, como Eddie Vedder. Embora tenha alcançado o estrelato com uma banda de Seattle, o vocalista do Pearl Jam é natural de Illinois e fã das equipes locais.

Chelios achava que o tributo era a Rocky Wirtz. Eddie Vedder, do Pearl Jam, foi quem revelou o verdadeiro homenageado. Foto: Chicago Blackhawks

Chelios soube da homenagem em setembro. Foi convidado ao United Center e achava que iria a um tributo a Rocky Wirtz, dono do Blackhawks, falecido em 2023. Se emocionou quando soube que a homenagem era para ele, durante um pocket show do Pearl Jam na frente da arena.

Em seu discurso na cerimônia, em 25 de fevereiro, Chelios citou seu amor por Chicago e como os times locais fizeram parte de sua vida. Mencionou títulos do Chicago Bears no Super Bowl, Chicago White Sox na World Series e, claro, Chicago Bulls — em vídeo, recebeu um recado de Michael Jordan, que disse que era uma honra ter seu número ao lado do dele, no teto do United Center.

Foram mais de 1600 jogos, quase 1000 pontos e quase 3000 minutos de penalidade na NHL. Três Stanley Cups e muitos prêmios individuais. Mas nada é tão pitoresco quanto sua passagem pelo Wolves.

Brian Sipotz, um dos seus companheiros na AHL, destacou que Chelios não tinha estrelismos, não se portava como uma lenda que estava ali de favor, não se queixava da idade, não reclamava de nada. “O cara só trabalhava.” Colegas da época citam o quanto o experiente all-star ajudou a mentorar os prospectos do Thrashers e de como os próprios atletas, eventualmente, pediam autógrafos.

Para o comentarista Billy Gardner, sua temporada no Wolves pode ser definida como “Amor e desejo de jogar.” Se o hóquei deu tudo que Chris Chelios tem na vida, ele se esforçou para retribuir.

Foto: Reprodução/NHL.com