As imagens mais marcantes de uma Stanley Cup, naturalmente, estão associadas ao campeão e não se deve tirar isso do Florida Panthers. Além do capitão Aleksander Barkov, merece destaque Keith Tkachuk, ex-jogador que nunca conquistou o título e estava aos prantos ao receber a Cup das mãos do filho, Matthew. Mas a noite também ficou marcada pelo MVP que, pela sexta vez na história, foi dado a um vice-campeão: Connor McDavid, capitão do Edmonton Oilers. Laureado com o Conn Smythe Trophy, ele não foi receber o prêmio.
Em 2003, o New Jersey Devils fechou o jogo 7 das finais em 3 a 0 e conquistou sua terceira Stanley Cup. Mas o Conn Smythe Trophy, prêmio de MVP das finais, foi para Jean-Sebastian Giguere, goleiro do Mighty Ducks of Anaheim, derrotado naquela decisão.
Foi apenas a quinta vez em que um atleta do vice-campeão conquistou o troféu. E, por 21 anos, foi a última.
O Conn Smythe tem uma característica especial em relação aos prêmios de MVP das finais das outras três major leagues norte-americanas: ele, pelo menos em tese, premia o jogador de maior destaque nos playoffs inteiros, não apenas da finalíssima. Isso costuma ser reforçado pelo comissário Gary Bettman, em seu discurso na entrega do prêmio.
Na NFL, na MLB e na NBA, os MVPs são, declaradamente, das finais — até porque a NFL e a MLB têm playoffs e decisões bem particulares. E, em cada uma delas, o prêmio foi dado a um atleta do time perdedor apenas uma vez.
Em 2003, havia uma opinião geral na cobertura da NHL de que Giguere havia garantido o MVP antecipadamente por suas performances heroicas contra Dallas Stars e Detroit Red Wings. O Mighty Ducks poderia ser varrido; ele ainda ganharia o troféu. Só perderia se alguém de New Jersey fizesse uma série final apoteótica, o que não aconteceu.
Martin Brodeur, goleiro do Devils, conseguiu três shutouts na final, mas não recebeu o prêmio — o que só reforça que Giguere chegou à decisão já como MVP.
A reação de Giguere ao receber o troféu, no entanto, mostrava o quanto aquela situação era anticlimática. O goleiro chorava e declarou que “queria outro troféu” – a Stanley Cup -, que acabou conquistando quatro anos mais tarde.
A partir daquele momento, um rumor comum nas editorias, colunas de opinião, conversas, comentários, postagens de meios digitais e afins, era o de que a NHL teria orientado o colegiado da Professional Hockey Writers’ Association a privilegiar atletas das equipes campeãs na escolha do MVP. Afinal de contas, o prêmio deve ser algo a ser comemorado, não lamentado.
A história pode ser um mero boato. O MVP para um vice-campeão na NHL, mesmo tendo acontecido mais que em outras ligas, ainda era raro. De qualquer forma, os 21 anos que separam Giguere de McDavid é o maior jejum de Conn Smythe para um atleta do time perdedor na história.
Ao longo desse período, a mística do “prêmio dado independentemente das finais” ainda resistia, mas considerando apenas o time campeão. Em 2015, por exemplo, o comentário antes mesmo da série decisiva era de que Duncan Keith seria o MVP caso o Blackhawks fosse campeão. As duas coisas aconteceram.
Panthers e Oilers chegaram às finais nesse clima, mas já havia uma clara ruptura por motivos óbvios: Connor McDavid.
Comentava-se que, caso Florida vencesse, Sergei Bobrovsky seria MVP. McDavid ficaria com o troféu se Edmonton fosse campeão. Mas desde já, havia quem sustentasse que McDavid ganharia o prêmio independentemente de resultado, pela campanha espetacular que fazia. No fim das contas, foi o que aconteceu.
E se a foto de Giguere recebendo o Conn Smythe é marcante por mostrar o rapaz triste ao receber uma das maiores honras da NHL, a de McDavid é marcante por simplesmente não existir. É paradoxal, mas o fato de a imagem registrada ser o troféu na mesa, sem que o jogador premiado sequer fosse pegá-lo, é, sim, muito significativa. Para o esporte, para os nossos conceitos e para o próprio McDavid, em vários sentidos, em tudo que ele representa.
Principalmente após o vídeo que veio à tona semanas depois: o clima no vestiário de Edmonton. Jogadores desolados enquanto Zach Hyman tentava animá-los, citando luta até o fim e compromisso em retornar em breve à finalíssima.
Ali, sim, há uma imagem que substitui o Conn Smythe solitário sobre a mesa: a expressão de poucos amigos de McDavid. Ilustra o que, provavelmente, todos haviam entendido com sua recusa. O MVP não era suficiente.
McDavid terminou os playoffs como o maior recordista de assistências em uma única edição, com 34. Foram 42 pontos que, no fim das contas, não levaram o Oilers ao título. A sensação, possivelmente, é de desperdício, de esforço em vão, ainda mais quando Edmonton construía, na final, o sonho de uma virada histórica: empatar a série em 3 a 3 após levar 3 a 0.
McDavid lida com uma pressão única para seus pares, os talentos geracionais. Nos anos 90, Alexandre Daigle logo deu sinais de que não seria, na NHL, o fenômeno que foi nos juvenis. Eric Lindros ainda jogava com grandes lendas e as atenções logo se voltaram ao Russian Five e ao time espetacular do Detroit Red Wings.
Sidney Crosby precisou de apenas quatro temporadas para levar o Pittsburgh Penguins ao título e trilhar seu próprio caminho, sem que a sombra de Mario Lemieux fosse usada para diminui-lo. E Alexander Ovechkin, bem… verdade que penou bastante até a copa, mas é um jogador europeu e atua em um time americano. Não se compara à pressão sobre um canadense jogando por um time canadense, o time de Wayne Gretzky.
Às vezes, parece que McDavid se tornou a grande esperança para tirar o Canadá da fila da Stanley Cup. São 31 anos sem copa.
Talvez Auston Matthews venha a passar pelo mesmo, mas, até aqui, houve quem o protegesse em Toronto. McDavid chegou a Edmonton já com o status de “novo Gretzky” e até o jeito que comemorava gols em sua temporada de calouro era comparado ao do Great One. Ele era, desde o princípio, o cara a ser cobrado.
Sua atitude de não receber o Conn Smythe foi, obviamente, objeto de debate. Onde está o espírito esportivo de quem recusa um prêmio? É quase como se não aceitasse a derrota. O próprio Giguere foi procurado e disse que seria uma atitude de respeito de McDavid ir receber o prêmio. Mas enfatizou que o capitão dos Oilers ainda é um grande exemplo e disse entender sua atitude.
Porque se o lado olímpico e atlético pode ser questionado, o lado humano é compreensível. A derrota e a recusa humanizaram McDavid — justamente quando teve suas performances mais sobrehumanas.
E haja pressão para a temporada que está por vir.
MVPs “perdedores”
Além de Connor McDavid e Jean-Sebastien Giguere, outros quatro atletas conquistaram o MVP dos playoffs jogando pelo vice-campeão, sendo três goleiros e um patinador.
O Conn Smythe Trophy foi instituído em 1965 e, logo na temporada seguinte, foi dado a um jogador derrotado na final: o goleiro Roger Crozier, do Detroit Red Wings, que perdeu a Stanley Cup para o Montreal Canadiens.
Duas temporadas depois, Glenn Hall, outro goleiro, ganhou o troféu. Seu time, o St. Louis Blues, perdeu a decisão para os Canadiens.
Em 1976 foi a vez de Reggie Leach, primeiro patinador a receber o Conn Smythe jogando pelo time perdedor — e único até McDavid igualar seu recorde. O atacante atuava pelo então bicampeão Philadelphia Flyers que falhou na busca pelo tri e foi mais uma vítima do Montreal Canadiens.
A combinação atípica voltou a agraciar um goleiro em 1987. Ron Hextall, também do Flyers, foi nomeado MVP, mas o campeão foi o Edmonton Oilers.
E só 16 anos depois, mais um goleiro, Giguere, repetiu a escrita.
A NBA começou a premiar o MVP das finais em 1969 e logo na primeira edição, ficou com um vice-campeão: o Lakers perdeu a decisão para o Boston Celtics, mas Jerry West faturou o prêmio. O fato não voltou a se repetir.
Na NFL, a única vez que isso aconteceu foi em 1971. Era o quinto Super Bowl, portanto, o quinto prêmio de MVP, que foi dado a Chuck Howley, linebacker do Dallas Cowboys. O Baltimore Colts foi campeão.
O MVP da World Series, finalíssima da MLB, existe desde 1955. Em 1960, o Pittsburgh Pirates foi campeão, mas o melhor jogador foi Bobby Richardson, second baseman do New York Yankees.