E lá vamos nós para mais um capítulo da novela envolvendo o Arizona Coyotes. Nas últimas semanas, o time teve seu acordo com a Arena Municipal de Glendale rompido, foi ameaçado de despejo, pagou o aluguel e engendrou um acordo para mudar para Tempe, também na região metropolitana de Phoenix. Em meio a tudo isso, os boatos de relocação. “O time fica no Arizona”, garantiu o comissário da NHL, Gary Bettman.

Os Coyotes surgiram em 1996, vindos de Winnipeg. Era o Winnipeg Jets original. Mudaram-se para Phoenix e assumiram o nome Phoenix Coyotes. Em 2003, foram para Glendale, município vizinho, mantendo seu nome. Em 2009, declararam falência e vieram os rumores de mudança. A própria liga assumiu a administração do time e garantiu sua permanência no estado. Em 2014, já com novos donos, passou a se chamar Arizona Coyotes.

Mas a paz é um sentimento que nunca acalenta os fãs locais. Para cada garantia de que o time segue na região surgem dez conversas em off de que novas praças se dispõem a bancar a mudança. É aí que se tem a relação antagônica entre NHL, autoridades públicas e torcedores. Nesse cenário nada positivo, Ronda Pearson apareceu.

Entre os anos 60 e 70, a NHL entendeu a importância de se “ganhar território.” Em pouco mais de 50 anos, a liga pulou de seis para 32 equipes. Mas esse avanço geográfico não contemplou todo mundo e várias metrópoles seguem desejando seu lugar ao sol.

Para os magnatas, proprietários potenciais de novas equipes, tudo não passa de negócios. São bilionários donos de inúmeras empresas. Uma franquia esportiva seria só mais uma. Brincam de banco imobiliário, mas com elencos de atletas em vez de pinos coloridos.

É a necessidade de ter mercado, e não a paixão da torcida, que faz com que a NHL se mantenha empenhada em manter um time em um lugar. Para tal, as nunca transparentes relações entre empresa privada e poder público são fundamentais.

Logo, para fã dos Coyotes, dá um arrepio saber que, há tempos, Houston, Kansas City e Hamilton querem ter suas franquias. Hartford e a Cidade de Quebec almejam voltar. Tem gente disposta até a bancar um segundo time em Toronto. E sempre que surgem boatos de uma possível realocação, todos crescem os olhos para cima dos cachorros do deserto.

Torcer pelos Yotes se tornou um ato de amor, mas em uma relação quase tóxica. Carregá-los no coração é como um relacionamento onde está tudo bem no domingo. Chega a segunda, termina-se. Na terça, faz-se as pazes e na quarta, trocam-se alianças. Na quinta, discute-se se não é melhor dar um tempo. Quem aguenta?

A cada mês de junho, torcedoras e torcedores de Phoenix e região terminam o ano sem saber se terão a quem apoiar na temporada seguinte. E foi assim que Ronda Pearson, uma enfermeira de 40 anos de idade, se destacou como voz de 14 mil fãs cativos.

A vingança de Ronda Pearson

Em 2015, a Câmara dos Vereadores de Glendale se reuniu com o prefeito Jerry Weiers (sem partido), em uma audiência pública que decidiu não renovar o acordo de cessão de uso da arena municipal aos Coyotes. Dessa forma, o time estava sem ter onde jogar e seu futuro na cidade era incerto. Pearson foi ao encontro, vestindo uma camisa branca de Arizona, e pediu a palavra.

“Tenho cadeira cativa por toda a temporada”, disse, voltando a carga a Weiers. “Te vi em muitos jogos, usando uma camisa igual a essa, com o número 1 e o nome PREFEITO nas costas. Quanto você pagou pela camisa? E pelos ingressos? Porque tenho certeza que paguei muito mais que você. Eu apoio esse time. Você não.” E quando receberia uma salva de palmas dos vereadores, subiu o tom contra eles. “Nenhum de vocês.”

Em seu breve desabafo, a torcedora, sempre assertiva, reclamou de, ao lado de outros fãs fiéis, dedicar “tempo e energia” a um time cujas autoridades não se importavam.

A região metropolitana de Phoenix tem mais de 4 milhões de habitantes. Desses, entre 12 e 14 mil costumam ir aos jogos dos Coyotes. É discutível se, em um país onde os poderes populares lavam as mãos para temas sociais prioritários como saúde, moradia e educação superior, uma franquia esportiva, profissional e privada, deva receber tanto empenho e investimento público. Claro, ela também agrega valores positivos como geração de emprego e renda e promoção de integração entre moradores.

Enfim, não é um assunto a se debater em dois parágrafos de uma coluna. O fato é que, para quem torce e dispõe parte de sua vida ao time, uma situação como a do Arizona Coyotes dá nos nervos. E se não existe almoço grátis, também não há nenhuma grande empresa privada que se sustente sem apoio do poder público. A demanda de Pearson pode ser questionável, mas também é compreensível.

Mas, como em um roteiro de filme da Sessão da Tarde, onde a mãe de família batalhadora tem sua revanche contra a autoridade mesquinha, Pearson ganhou a oportunidade de atingir Weiers com algo mais doloroso que palavras afiadas, e com seu consentimento.

Naquela semana, um shopping center local realizava um evento beneficente. A ideia era levantar US$ 10 mil, que seriam doados à caridade. Como todo bom populista, Weiers quis fazer média e prometeu uma recompensa masoquista que, na sua cabeça, seria divertida para seu eleitorado: uma pessoa poderia acertá-lo com um taser caso a meta fosse batida.

Os torcedores locais fizeram uma vaquinha, juntaram os US$ 10 mil e entregaram a Pearson. Ela chegou ao shopping com o dinheiro e, conforme o combinado, acertou um tiro de taser no prefeito. Acompanhado por paramédicos, Weiers tomou seu choque corretivo, se debateu no chão, para satisfação da torcedora vingadora, e, felizmente, não ficou ferido.

Person teve sua revanche e os Coyotes seguiram em Glendale — uma decisão judicial determinou que o acordo fosse mantido. E assim foi por seis, sete anos.

É interessante contemplar que nada mudou.

Arizona Coyotes, sem volta para casa

A relação entre o Coyotes e Glendale segue estremecida, a ponto dos donos Alex Meruelo e Andrew Barroway pedirem arrego à cidade de Tempe. A NHL segue prometendo a permanência do time no Arizona, enquanto Houston e Quebec se ouriçam para receber uma equipe e até uma conversa surreal sobre expansão é ouvida pelos cantos.

E Pearson? Ativa nas redes, ela segue uma enfermeira esforçada, “mãe de pet”, sempre acompanhada de seu cão, e torcedora dedicada, comprometida não só com os Yotes, mas com a comunidade local, participando de eventos para promover o hóquei na região.

Mas sem dúvidas, aquela brincadeira dolorosa com o taser não foi suficiente para que sua cobrança às autoridades municipais fosse sanada. Tá aí, o cenário exatamente igual e seu futuro como seat holder incerto.

Esse é o mundo dos esportes profissionais, em um país caótico, apesar do falso estado de bem-estar social, com relações comerciais vorazes e negociatas entre bilionários e poderes públicos. No fim das contas, o time é só uma empresa e, aos fãs, resta o grito.

Person, o Arizona Coyotes, os torcedores cativos, os torcedores de ocasião… como diria a saudosa Marília Mendonça, “tudo mundo vai sofrer.” É isso.