O hóquei no gelo, mais especificamente o hóquei masculino, tem uma longa e tradicional história de campeonatos internacionais. Tudo começa justamente com a fundação da International Ice Hockey Federation, a IIHF, em 1908 e a realização do primeiro campeonato Europeu apenas dois anos depois. A nível mundial as competições começaram apenas em 1920 com a realização do primeiro torneio olímpico de hóquei no gelo e, ao mesmo tempo, o primeiro campeonato mundial do esporte. Assim nasceu o IIHF World Championship, também conhecido simplesmente como IIHF Worlds.

Entre 1920 e 1928 o IIHF Worlds era disputado apenas junto às Olimpíadas, foi somente em 1930 que o campeonato mundial passou a ser disputado como um evento próprio. E assim nasceu uma tradição anual, o grande evento anual do calendário da Federação Internacional que fecha também o calendário oficial do hóquei no gelo masculino da Europa. Além de uma competição, o mundial anual é também uma celebração internacional do esporte muito importante e aguardada durante toda a temporada.

A história por trás da tradição

O hóquei no gelo como conhecemos foi organizado no Canadá durante a segunda metade do século XIX. As regras canadenses foram levadas para a Europa por estudantes e atletas canadenses, sendo introduzidas especialmente na Grã-Bretanha e França inicialmente, mas logo se espalhou também por países como Bélgica, Alemanha, Suíça e reinos independentes que formam a atual Tchéquia. Já em 1904 aconteceram os primeiros jogos entre dois países, foi no gelo em Bruxelas que Bélgica e França se enfrentaram, os franceses venceram o primeiro jogo pelo placar de 3 a 0, os belgas triunfaram por 4 a 2 na segunda partida.

Foi a partir desse jogo que a ideia de se criar uma organização internacional surgiu, demoraria mais três anos até que uma aliança fosse formada. Numa reunião contando com representantes de Bélgica, França, Grã-Bretanha e Boêmia (parte da atual Tchéquia) foi fundada a Ligue Internacionale de Hockey sur Glace (LIHG), a liga internacional de hóquei no gelo. A Boêmia não aderiu inicialmente apesar de ter participado da reunião fundadora, apenas meses depois passou a integrar a LIHG, que rapidamente se expandiu e em 1910 o primeiro torneio europeu foi disputado.

Alguns anos depois a tensão entre os impérios coloniais europeus acabou estourando e virando o conflito conhecido como Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1919 não houveram eventos internacionais esportivos no continente europeu, ao menos. No espírito da cooperação internacional, os Jogos Olímpicos foram organizados para acontecerem na Antuérpia, Bélgica, e a agora já chamada Federação Internacional de Hóquei no Gelo foi convidada a ajudar a organizar um evento parte dos jogos. Um sonho da IIHF era criar um campeonato a nível mundial, por isso chamaram participantes do Canadá e Estados Unidos.

Foi assim que o primeiro torneio Olímpico e Campeonato Mundial surgiram, as regras utilizadas foram parecidas com as da então Pacific Coast Hockey Association, como o uso de sete jogadores no gelo ao invés de seis. O Canadá, representado pelo Winnipeg Falcons, venceu a competição sendo o primeiro campeão mundial e medalhista de ouro nas Olimpíadas. Os canadenses ganharam os campeonatos de 1924 e 1928 também, como já era esperado, foi depois dos jogos de 1928 que veio a ideia de se realizar o mundial como um evento separado.

As reuniões em 1929 levaram a ideia de se disputar anualmente o mundial a partir de 1930, mas ainda com os torneios olímpicos valendo como campeonato mundial também. O domínio canadense continuou até 1952, com alguns países vencendo também nesse período, os Estados Unidos em 1933, a Grã-Bretanha em 1936, e a Tchecoslováquia em 1947 e 49.

A Grã-Bretanha conquistou o improvável título mundial, e ouro olímpico, em 1936 (Foto: IOC)

Em 1953 a Suécia venceria seu primeiro título mundial, mas sem a participação de Canadá e Estados Unidos. O presidente da Associação Canadense de Hóquei Amador, responsável por enviar os times para as competições internacionais representando o Canadá, William B. George declarou na época que eles gastavam muito para enviar um time para a Europa, jogar alguns jogos e enriquecer os cofres europeus, além de serem alvos de críticas pelo estilo de jogo mais fisicamente agressivo. Os canadenses voltariam ao mundial em 1954, dando maior tamanho para o que estava prestes a começar.

Se o período entre 1920 e 1952 é conhecido como o domínio canadense nos mundiais, o período entre 1954 e 1990 é o domínio soviético no IIHF Worlds. Nesse período a União Soviética venceria o título mundial 22 vezes, foi uma época onde simplesmente derrotar os soviéticos era motivo de comemorações dignas de ter vencido o campeonato em si. Estadunidenses, canadenses, suecos e tchecoslovacos não passariam em branco conquistando pelo menos um título cada nessa era dos mundiais. Uma mudança que ocorreu nesse período foi que em 1980 o mundial se dissociou das Olimpíadas, por isso não tiveram campeões mundiais em 1980, 84 e 88.

A partir de 1992 o IIHF Worlds passou a ser realizado também em anos olímpicos, deixando de ser realizado apenas em 2020 por conta da pandemia de COVID-19. Nesta atual era a Finlândia entrou para a galeria dos campeões, Tchéquia e Eslováquia também conquistaram títulos mundiais após a separação entre os dois países. A Suécia se confirmou como uma potência mundial do esporte, assim como nos últimos tempos Alemanha e Suíça começaram a figurar entre os quatro finalistas mais vezes.

Uma celebração do Esporte

Todo final de temporada o IIHF Worlds atrai torcedores para as arenas em uma grande celebração do hóquei no gelo. O torneio foi idealizado numa época de muito nacionalismo romântico, um momento onde as nações tentavam criar suas identidades nacionais e uma autodeterminação como povo. Nesse mesmo espírito nasceram as Olimpíadas, por exemplo, para cada um representar seu país, sua nação, frente ao mundo. Além do espírito do nacionalismo, havia também a ideia da cooperação internacional para que se evitassem confrontos entre os grandes impérios, o que falhou como bem sabemos.

A IIHF demorou a conseguir organizar por si própria seu torneio mundial, quando finalmente conseguiu deu início a um dos torneios mais importantes e tradicionais dentro do hóquei no gelo. No hóquei masculino, o IIHF Worlds junto às Olimpíadas e a Stanley Cup é um dos três títulos de primeira grandeza segundo a própria IIHF. Se pelo ponto de vista do Canadá e EUA o torneio perde muito por não ter as principais seleções por conta de sempre culminar com a fase decisiva da NHL, o resto do mundo vê esse evento como um ápice da temporada.

Para muitos jogadores que estão na NHL quando o sonho de conquistar uma Stanley Cup é interrompido na temporada em vigor, outro sonho toma o lugar. E esse sonho é o do mundial, como já pode ter ficado claro. Muitas vezes vimos grandes estrelas como Alexander Ovechkin e Henrik Lundqvist saindo da América do Norte para defender seu país no mundial. A ideia de representar o país onde nasceu nesse torneio não é apenas algo europeu, canadenses e estadunidenses também sabem a importância do evento e se disponibilizam para ir e tentar competir contra outros grandes jogadores em um cenário diferente do seu habitual. Nada como ver as celebrações dos times campeões, especialmente após um jogo muito disputado.

As maiores estrelas anseiam por competirem seu país e talvez ganharem um título mundial (Foto: Andre Ringuette/AP)

Como falado anteriormente, o IIHF Worlds não é apenas uma competição como uma celebração do hóquei no gelo. Torcedores viajam para ver suas seleções nacionais jogarem, se encontraram e torcem lado a lado e festejam o esporte, além é claro de assistir a uma das maiores competições que o esporte proporciona. Os ingressos sempre são muito procurados e cobiçados, sempre começam com valores mais acessíveis, mas chegam a atingir centenas de euros dependendo da procura.

E para alguns espectadores é a chance de experimentar mesmo a distância um ambiente diferenciado, especialmente quando se está muito acostumado a assistir partidas de hóquei na América do Norte. Por ser muito centrado na Europa em si, as torcidas europeias se fazem presentes nas arenas e mesmo não sendo igual aos jogos de clubes, o ambiente pode ficar muito mais barulhento do que qualquer jogo do outro lado do Atlântico. O hóquei no gelo é um esporte incrível, mas muito melhor com um barulho de fundo, se não o tempo inteiro, a maior parte do tempo da partida. E é interessante ver torcedores que normalmente estariam de lados diferentes se unindo para cantarem juntos e apoiarem o seu país.

Desde 1930, com algumas exceções, as melhores seleções masculinas de hóquei no gelo disputam um título prestigiado e um dos mais antigos torneios oficiais do esporte no mundo. O hóquei, pelo menos o que conhecemos como hóquei, é um esporte relativamente jovem e o IIHF Worlds foi uma grande ideia que virou uma das melhores iniciativas esportivas nesse esporte por expandir os limites dele. O torneio virou uma tradição e hoje tem sua versão feminina e a de juniores como as mais conhecidas, além da masculina adulta, essas são apenas duas versões de um sistema muito maior. Atualmente são oito divisões apenas no hóquei masculino adulto, e além de países tradicionais e previsíveis no esporte, também contam com países como Emirados Árabes Unidos, México, África do Sul e Malásia. O IIHF Worlds em sua completude é também uma forma de difundir o esporte pelo mundo.

O IIHF Worlds se expandiu e vioru uma ferramenta de difusão do esporte
Os Emirados Árabes Unidos não são uma nação tradicional no hóquei, ainda assim competem e são campeões mundiais nas divisões inferiores (Foto: Val Wagner/IIHF)

E por isso é sempre uma honra para os jogadores e comissões técnicas disputar o mundial, assim como pode ser uma experiência importante de expansão dos horizontes dos torcedores também. É nos IIHF Worlds que o maior e mais amplo intercâmbio do hóquei no gelo acontecem.

Autor

  • Escrevo sobre o esporte desde 2010, mas sou fanático há muito mais tempo. Entusiasta principalmente da NHL, grandes ligas da Europa e hóquei de seleções. Torcedor de New York Rangers, Krefeld Pinguine, Tappara, EV Zug e apreciador de outros tantos times e seleções. Sou conhecido como Fanático por Hóquei no Twitter.