Dando sequência à nossa análise dos efeitos da pandemia na NHL e como a falta de torcida afetou a liga, vamos voltar nossos olhos agora para os astros do jogo, jogadores e goleiros. Caso não tenha lido a primeira parte, que teve um foco mais nas organizações, times, como um todo, você pode acessar o post clicando aqui link, vai lá, tem muito gráfico legal, mas volta aqui depois. Recapitulando para dar um pouco mais de contexto. Na primeira parte vimos que o fato de jogar com torcida ou não nas arenas não teve um impacto tão significativo no número de  vitórias dos times em relação às temporadas anteriores. O impacto dessa falta de fãs nas arenas afetou muito mais  as  organizações, que deixaram de arrecadar com a presença do público. 

Assim, nossa primeira análise olhou apenas para o resultado final, vitória, no que diz respeito ao desempenho do time dentro do gelo, deixando de lado outros fatores. O grande ponto aqui é que dentre os esportes, o hóquei é o esporte onde o fator “sorte” é o mais presente.

Gráfico sorte nos esportes
Michael Mauboussin’s skill-luck continuum.

E como destacamos na nossa primeira parte, apesar do grande volume de dados gerados, os fatores psicológicos e emocionais dos jogadores ainda não são mensuráveis. Um assunto que veio à tona devido ao nosso cenário pandêmico. Portanto, nosso intuito é verificar através das estatísticas avançadas se a falta de torcida impactou no desempenho dos jogadores, que consequentemente reverbera no desempenho final dos times, de modo a ver se o que era esperado realmente aconteceu ao final da temporada. Para mensurarmos esse desempenho vamos olhar para aquilo que dá aos times a vitória quando temos o apito final, os gols.

Observação: Os jogos analisados serão aqueles onde as forças dos times é a mesma, sempre 5 contra 5.

Estatísticas avançadas que vamos utilizar

Para mensurar o desempenho dos times e jogadores vamos utilizar, valor esperado de gols (xG) , gols feitos acima do esperado (GFaE) e gols sofridos acima do esperado (GAaE), já para os goleiros, delta da porcentagem de defesas(dSv%).

xG (Valor esperado de Gols)

Expectativa de gols (Expected Goals) é um modelo estatístico que vem sendo desenvolvido em vários esportes onde o intuito é prever o desempenho futuro. Para esportes como hóquei e futebol, onde os gols são inerentemente aleatórios e escassos, o modelo de gols esperados provou ser particularmente útil na previsão de gols futuros. Isso porque eles consideram o número de chutes, que é mais preditivo do desempenho da equipe e do jogador do que apenas o número total de gols.

Os primeiros modelos datam por volta de 2012 e alguns ainda levam outros nomes como “qualidade de chute”. Desde então muitos modelos vêm sendo desenvolvidos e cada um tem a sua particularidade, ainda estou trabalhando no meu, no que diz respeito a quais variáveis, características, são aquelas que mais impactam para a previsão. Para nossa análise vou utilizar os dados do site Money Puck e os resultados gerados pelo seu modelo, que  leva em consideração as seguintes variáveis:

  1.  Distância do chute a gol;
  2.  Tempo desde o último evento (ação) de jogo;
  3.  Tipo do chute (wrist shot, slap shot, backhand, etc);
  4.  Velocidade da ação anterior;
  5.  Ângulo do chute;
  6.  Localização Leste-Oeste no gelo do último evento antes do chute;
  7.  Se rebote, diferença no ângulo do chute dividido pelo tempo desde o último chute;
  8.  Último evento que aconteceu antes do chute (faceoff, hit, etc);
  9.  Número de patinadores da outra equipe no gelo;
  10.  Localização Leste-Oeste no Gelo de chute;
  11.  Situação de vantagem de homem;
  12.  Tempo desde que o Powerplay atual começou;
  13.  Distância do evento anterior;
  14.  Localização Norte-Sul no Gelo de Tiro;
  15.  Tiro na rede vazia.

Para deixar mais visual de como funciona esse modelo vou colocar dois vídeos que mostram como isso pode ser visualizado dentro do jogo:

As outras duas estatísticas que vamos utilizar para os times e jogadores derivam da primeira:

  • GFaE (Diferença de gols feitos pelos esperados dividido pelo número de jogos)
  • GAaE (Diferença de gols sofridos pelos esperados dividido pelo número de jogos)

São elas que vão nos dizer se os times tiveram uma performance positiva ou negativa em relação ao que aconteceu durante toda a temporada.

dSv%

Diferença entre a porcentagem de defesa esperada de um goleiro e sua porcentagem de defesa real. Esta é uma estatística muito valiosa que ajuda a mostrar o quão melhor (ou pior) um goleiro está se saindo em comparação com o desempenho de um goleiro médio dada a qualidade dos chutes que ele enfrentou. Um dSv% de 0 significa que um goleiro teve um desempenho exatamente no nível de um goleiro médio, dada a qualidade dos chutes que ele enfrentou.

Desempenho dos times

Vamos ver o que era previsto para os times em relação aos gols feitos e sofridos e comparar com os dados reais.

Temporada 2018-19

Gráfico de setores temporada 2018-19. media xGF pela media xGA

Gráfico de setores temporada 2018-19. media GF pela media GA

Temporada 2019-20

Gráfico de setores temporada 2019-20. media xGF pela media xGA

Gráfico de setores temporada 2019-20. media GF pela media GA

Em relação às duas temporadas, podemos ver nos dois gráficos como os times de uma maneira geral negligenciam a defesa. Grande parte dos times se concentram na parte superior do gráfico. O apelo ofensivo é maior que o defensivo. Isso é interessante porque estudos mostram o quanto uma defesa sólida é essencial para conquista de campeonatos, mas esse assunto fica para um outro post.

Temporada 2020-21

Para a última temporada, além do gráfico de setores, vamos ver as diferenças em relação aos valores previstos (GFaE e GAaE). Aqui precisamos fazer uma observação. Como foi uma temporada atípica, tivemos a divisão das equipes por localização geográfica. Assim, os times jogaram 8x contra o mesmo adversário.  Isso provou ter um certo impacto nos times. Uma vez que, você começa a conhecer bem o estilo de jogo do seu oponente o que torna os confrontos previsíveis.

Gráfico de setores temporada 2020-21. media xGF pela media xGA

Agora vamos ver como foi o desempenho dos times quando comparamos com os resultados reais.

Gols Feitos

diferença entre a media dos gols feitos esperados e reais

Em relação aos gols feitos:

  • Os grandes destaques são os Capitals, Penguins, Rangers, Wild, Blues, Avalanche e Knights com um diferença do previsto para real acima dos 10 gols;
  • Toronto teve um desempenho ruim e bom ao mesmo tempo. Isso porque ele tinha um valor previsto de 134 gols na temporada e acabou fazendo 133 gols, média de 2.3 gols por jogo. Comprovou seu favoritismo em relação ao potencial ofensivo esperado;
  • Entre os piores times quem se destaca é o time dos Sabres com um desempenho bem inferior ao previsto, média de 1,57 gols por jogo.
Gols Sofridos

diferença entre a media dos gols sofridos esperados e reais

Em relação aos gols sofridos:

  • O time dos Flyers foi aquele que apresentou o pior desempenho em relação aos gols sofridos, com média acima dos 2 gols por jogo.
  • De forma geral um desempenho majoritariamente negativo dos times em relação aos gols sofridos.

Desempenho dos jogadores

Apresenta desempenho dos joadores

A tabela compila a quantidade de gols que era previsto, resultado real e a diferença entre eles (goals above expected – GAE). A lista dos 10 jogadores não segue nenhum critério de quem é o melhor nem nada, existem muitos outros jogadores com muito potencial em toda liga. Quando olhamos para o resultado fica evidente o quanto a temporada 2020-21 impactou os atacantes.

Não podemos deixar de lado o fato que tivemos menos jogos, 56, e que nossa lista contém jogadores bem experientes, como: Sidney Crosby, Alex Ovechkin e Patrick Kane, que já passaram dos 30 anos mas continuam jogando em altíssimo nível. Contudo, quando analisamos a tabela, percebe-se que os desempenhos foram afetados na última temporada apresentada.

Dentre os jogadores o grande destaque fica para Auston Matthews que fez 41 gols durante toda a temporada de 2020-2021. Mas, para uma análise mais fiel, consta na tabela apenas 28 gols, que foram feitos nas disputas em que os dois times estavam com número máximo de jogadores no gelo (5 contra 5).

Desempenho dos goleiros

Assim como a escolha dos jogadores não seguiu nenhum critério, para os goleiros também não. 

apresenta desempenho gos goleiros

Para os goleiros temos um resultado muito interessante e que talvez expresse melhor a falta dos torcedores nas arenas. Tenho para mim que a posição do goleiro é a mais ingrata entre os esportes, em geral, e aqui no hóquei não seria diferente. Digo isso porque ele pode fazer tudo certo e ainda sair como vilão da partida. Assim, a pressão é muito grande diferente do atacante onde erros não são tão impactantes. Claro que estamos falando de jogadores de alta performance, mas precisamos lembrar que todos são humanos também.

Tivemos como destaques negativos John Gibson, Darcy Kuemper e Branden Holtby. Porém, a maioria dos goleiros tiveram uma performance melhor e superior as temporadas passadas. Destaques positivos para Connor Hellebuyck, Andrei Vasilevsky e Marc-Andre Fleury, na temporada 2020-2021, que foram além do esperado. Vale lembrar que a comparação é realizada sobre a performance de um goleiro médio, que tem um desempenho igual a zero, como expliquei no início do artigo. 

Conclusão

Diferente de quando olhamos para o contexto geral, as vitórias, os fãs não parecem exercer um papel tão determinante no desempenhos dos times. Mas a ausência de lucro, promovidos pelas relações financeiras que se estabeleciam antes, durante e depois dos jogos deixaram marcas negativas nos bolsos dos donos e afins que lucravam com a realização do evento. A arena ficou cara para alguns e sem emoção para todos. 

Entretanto, quando analisamos de uma forma mais precisa, temos sim um possível  impacto a ser debatido. Vemos que os jogadores, em especial, os patinadores tiveram uma alteração negativa em relação ao desempenho esperado. Diferente dos goleiros que mantiveram uma certa constância na temporada. Não podemos falar com exatidão que a falta de torcida foi o grande fator para esse resultado, e nem que isso influenciou negativamente de forma psíquica e emocional os jogadores, afinal, foi uma temporada atípica, mas é algo que precisa ser levado em conta em momentos como esse, em que a mudança tornou-se uma constante na vida de todos.