O presidente do Boston Bruins, Cam Neely, admite o erro ao assinar com o prospecto Mitchell Miller em conferência de imprensa na última segunda-feira (7). A repercussão negativa do caso fez com que o jogador ficasse apenas três dias na equipe.
“O timing da contratação nunca seria bom. Eu acho que chegou ao ponto de decidirmos se faríamos [a contratação] ou não e acabamos tomando a decisão errada”, afirmou Neely na conferência de imprensa.
Após um bom começo de temporada (11-2-0 e 22 pontos, liderando a Divisão Atlântica), a equipe de Boston recebeu muitas críticas ao anunciar o acordo para um contrato de entrada com Miller na última sexta-feira (4). “Nós temos muito orgulho do que fazemos na comunidade e nos responsabilizamos totalmente por isso. Foi um erro feio e eu estou aqui para pedir desculpas”, concluiu Neely. A equipe anunciou no domingo (6) que o jogador não faria mais parte de seu elenco.
Em 2016, durante uma corte juvenil em Ohio, Mitchell Miller confessou estar envolvido em casos de bullying contra Isaiah Meyer-Crothers, um colega de sala negro com necessidades especiais. Originalmente, Miller foi uma escolha de quarta rodada em 2020 pelo Arizona Coyotes, porém a equipe renunciou aos direitos do jogador conforme mais detalhes do caso foram revelados, onde testemunhas afirmaram que existiram diversos casos de bullying, importunação e racismo da parte de Miller e alguns colegas contra Meyer-Crothes.
“Eu me arrependo profundamente do incidente e me desculpei com o indivíduo”, afirmou Miller em uma declaração durante sua assinatura com o Bruins. “Desde esse incidente, eu passei a entender melhor as consequências das minhas ações de uma forma que não consegui fazer há sete anos”, completou.
O comissário da NHL, Gary Bettman, afirmou que a Liga não foi consultada pelo Bruins sobre a assinatura de um contrato com Miller e o jogador não está elegível para jogar na NHL.
Neely se disse surpreso com a repercussão do caso: “Inicialmente, pensamos que seria algo do tipo: ‘Ok, ele merece uma segunda chance’ e sabíamos que havia uma chance de deixarmos algumas pessoas insatisfeitas quanto a isso. Porém, claramente interpretamos errado”.
ATUALIZAÇÃO – 10/11/2022: Após o fechamento desse artigo, o NHL Brasil tomou conhecimento da declaração abaixo, feita por Isaiah Meyer-Crothers no último dia 8 de novembro. A declaração foi publicada através da Hockey Diversity Alliance, no Twitter. O texto original e sua tradução podem ser conferidos abaixo. Recomenda-se cautela na leitura, tendo em vista a abordagem de temas sensíveis que podem causar gatilhos aos leitores.
Incredibly heart-breaking read but a necessary one. Our actions or lack thereof, have real-life consequences. A statement from Isaiah Meyer-Crothers in his own words sent to Akim Aliu, HDA Chair, on November 8, 2022 which he asked the HDA to release publicly on his behalf. pic.twitter.com/dctpDdrXaL
— Hockey Diversity Alliance (@TheOfficialHDA) November 9, 2022
Tradução:
“A declaração abaixo são palavras próprias de Isaiah. Algumas partes foram editadas levemente com o objetivo de encurtar e clarificar informações.
Eu sou Isaiah Meyers-Crothers. Eu gostaria de fazer uma declaração.
Eu sofri bullying desde que estava na primeira série. Não haviam muitas crianças negras na minha escola. Eu era chamado de ‘n*****’. As crianças diziam que meus pais negros não me amavam e por isso eu tinha pais brancos.
Mitchell costumava me chamar para sentar junto com ele no ônibus, então ele e seus amigos me socavam na cabeça. Isso aconteceu em todo o período que eu estive na escola.
Quando fui para o ensino fundamental II, Mitchell costumava cuspir no meu rosto e me chamar da palavra que começa com N. Eu parei de reportar isso porque eles começaram a me chamar de dedo-duro e caçoavam de mim por causa disso. Eu era obrigado a dizer que era ‘o n***** dele’ para sentar na mesa dele e ele me fazia limpar toda a mesa. Ele arremessava comida na minha cara e eu era chamado de ‘n*****’ todo dia.
A diretoria me dizia para ficar longe dele porque ele não era meu amigo. Quando ele foi expulso da escola, seus amigos começaram a fazer bullying comigo. Ele fingia ser meu amigo e me fazia fazer coisas que eu não queria. Eu apanhava dele. Todo mundo pensava que ele era legal, mas eu não acho que alguém pode ser legal quando você escolhe alguém para fazer bullying durante sua vida inteira.
No meio de Outubro, eu recebia mensagens todos os dias até que respondi uma mensagem de Miller no Snapchat e Instagram. Ele me perguntou porque eu sempre tinha meus pais fazendo as coisas pra mim e porque eu não era capaz de falar por mim mesmo. Eu respondi que não ligava para o que meus pais diziam porque eu era velho o suficiente para falar por mim mesmo.
Ele disse que sentia muito e que essa desculpa não tinha nada a ver com hóquei. Ele dizia que estava fazendo coisas na comunidade, ajudando os jovens e queria ser meu amigo. Eu disse para ele que isso era muito legal e pedi provas. Ele não me deu nenhuma. Depois de todas as mentiras de Mitchell todos esses anos, eu não acredito no que ele me disse. Ele continuou pedindo para ser seu amigo e dizendo que mudou após todos esses anos. Eu simplesmente disse que não seria amigo dele após tudo o que ele fez comigo.
Agora, eu tenho recebido mensagens nas redes sociais onde as pessoas falam que eu sou um ‘palhaço lento e retardado’ e ‘n*****’ e que eu preciso de ajuda.
Mitchell não é meu amigo. Meu coração dói por causa do que ele fez comigo.
Eu só gostaria de dizer que quando Mitchell diz que nós somos amigos, isso não é verdade. Eu não posso mais aceitar isso.”
Essa matéria foi traduzida e adaptada. A original pode ser encontrada aqui.
Texto por João Pedro Scarpato – @ScarpatoJoao