Durante o mês de setembro vamos trazer algumas pautas relacionadas à saúde mental dos atletas da NHL. Setembro Amarelo é uma campanha de conscientização e prevenção ao suicídio. Se você está tendo problemas relacionados à sua saúde mental ou conhece alguém que está passando por dificuldades, procure por ajuda! Uma das opções são as ligações gratuitas para o Centro de Valorização da Vida (CVV) no número 188. As ligações são sigilosas e os voluntários recebem treinamento adequado para conversar e dar apoio emocional.

Vamos falar um pouco sobre o atual goleiro do Vegas Golden Knights, Robin Lehner, e as dificuldades enfrentadas por ele em sua vida dentro do hóquei que ajudaram a diminuir o estigma relacionado à saúde mental e vícios.

Nota: Este artigo apareceu originalmente no dia 18 de setembro de 2019, publicado pela revista The Hockey News.

Aqueles que assistem ao NHL Awards ao longo dos anos sabem que não faltam momentos constrangedores. A edição de 2019 não foi uma exceção, mas houveram dois momentos de pura mágica que quase fizeram os embaraçosos valerem a pena. Um dos mais importantes daquela noite foi o comovente discurso de Robin Lehner após ganhar o Masterton Trophy, prêmio dado ao jogador da NHL que melhor demonstra as qualidades de perseverança, espírito esportivo e dedicação ao hóquei no gelo.

Talvez um dia o mundo do hóquei o considere um goleiro de elite na NHL, ainda que Lehner já o seja há algum tempo. Nas últimas quatro temporadas, apenas outros dois goleiros com 150 ou mais partidas – Ben Bishop, atual goleiro do Dallas Stars, e John Gibson, do Anaheim Ducks – obtiveram uma porcentagem de defesa melhor do que a marca de 92% de Lehner.

Eu não tenho vergonha de dizer que sou mentalmente doente, mas isso não significa que sou mentalmente fraco.

Robin Lehner, durante seu discurso após receber o Masterton Trophy no NHL Awards.

Ao mesmo tempo, Lehner está feliz por erguer uma bandeira e ser conhecido como o goleiro da NHL que possui problemas mentais. E ele ainda está mentalmente doente, porque, quando se trata de saúde mental, não há uma cura. Os traumas do passado não podem e nunca serão mudados ou apagados, mas tudo aquilo que aconteceu ao longo da vida de Robin o levou a isso, a esse propósito superior que ele encontrou. É incrível o que uma pessoa pode fazer quando é libertada de algumas correntes do passado e deixa de lado a culpa e a vergonha por seus vícios.

Robin Lehner durante seu discurso sobre saúde mental no NHL Awards, após receber o Masterton Trophy
Reprodução/SI

Hóquei e Saúde Mental

Quando Lehner trouxe à tona na temporada 2018-19 suas lutas relacionadas a transtorno bipolar, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno de estresse pós- traumático bem como seus problemas com vícios, o fez tendo como principal pano de fundo a melhor temporada de sua carreira até o momento. E isso não foi coincidência.

“Você não sabia”, disse Barry Trotz, treinador do New York Islanders, “você tem que dar um salto de fé, e esse foi um salto de fé que Lou (Lamoriello, general manager dos Islanders) deu, devido ao fato de que precisávamos de um goleiro e ele era o mais talentoso lá fora. Não sabíamos como seria, mas sabíamos que ele teria todo nosso apoio e toda nossa capacidade para ajudá-lo. Você não pode ser um jogador e manter qualquer tipo de sucesso a menos que sua vida pessoal esteja em um bom lugar. Você pode até fazer isso por período, mas não por muito tempo.”

Hóquei, e esportes no geral, normalmente não costumam falar sobre saúde mental, ainda que ambos tenham percorrido um longo caminho nos últimos anos. Mas, ainda assim, treinadores e general managers ainda têm jogos a vencer e, para isso, é necessário um goleiro que possa parar os discos. Acontece que, quando aquele goleiro está sóbrio, limpo e em seu melhor estado de espírito, isso se torna alcançável.

O New York Islanders foi uma das equipes mais aprimoradas da NHL em 2018-19, em grande parte devido à sua transformação de uma equipe mais porosa em 2017-18 para a melhor equipe defensiva na temporada passada. Porém, aqueles que enxergam além das análises, afirmam que muito do seu sucesso se deveu a Robin Lehner e Thomas Greiss.

“Todos têm seus altos e baixos, e o problema comigo era que meus baixos eram muito baixos e duradouros e o mesmo acontecia com meus altos”, disse Lehner. “Agora estou diagnosticado e medicado, e aprendi muito sobre como lidar com meus problemas. Ainda tenho muito a aprender, mas é incrivelmente administrável.”

Já faz muito tempo que Lehner não conseguia usar a palavra “administrável” em relação a qualquer coisa em sua vida. Embora ele não tenha se aberto sobre os detalhes de seu trauma de infância, disse em um artigo que escreveu para si mesmo para o The Athletic que sua juventude consistia em “uma onda aparentemente interminável de violações horríveis” e que sua família o “cercou com estresse de viciados e outras pessoas nefastas no dia-a-dia.”. Lehner também falou em pensar seriamente em suicídio e lamentou que sua esposa tenha suportado “o sofrimento mental de ver o marido se matando lentamente.”

Como resultado, Lehner passou a fazer uso de álcool e drogas. Tudo veio à tona em março de 2018, quando ele ainda fazia parte do Buffalo Sabres e não podia continuar vivendo da maneira que vivia. Ele foi para a reabilitação no The Meadows, uma instituição renomada no Arizona, e com a ajuda dos médicos do Programa de Abuso de Substâncias e Saúde Comportamental da NHL/NHLPA, começou seu caminho para a recuperação que o levou ao palco do NHL Awards, em Las Vegas.

O nível de jogo tinha sido muito bom para Lehner em Buffalo, o que era incrível se considerada a carga que o jogador carregava consigo. Muitos de seus colegas de time não faziam ideia de que algo estava errado. “Mas essa é uma das grandes coisas quando se trata de doença mental e vício”, disse Lehner. “Somos muito bons em sofrer em silêncio. Somos muito bons em ‘cuidar dos nossos próprios negócios’ e tentar escondê-los. Não queremos que ninguém veja, porque vai afetar sua vida profissional e como as pessoas pensam sobre você.”

Nesse aspecto, jogadores de hóquei ainda têm um longo caminho a percorrer. Mas, talvez, seja um pouco mais fácil agora que Lehner abriu um caminho. E, se alguém está preocupado com seu desempenho no gelo, tudo o que precisa fazer é olhar as estatísticas do goleiro de 2018-19.

Dito isto, Lehner correu um grande risco ao revelar seus problemas durante um verão em que estava tentando conseguir um novo contrato. Os Sabres haviam tomado a decisão, em grande parte para dar ao goleiro um novo começo, para seguir em frente com a sua situação. Apenas dois dias após a abertura da free agency em 2018, Lamoriello contratou Lehner tendo plena consciência de seu passado.

O que outros viram como uma fraqueza, tanto Lamoriello quanto Trotz enxergaram como uma disposição de Lehner para se apresentar como uma força. E um time que parecia ser candidato para a primeira escolha do Draft, Jack Hughes, aproveitou uma onda de impulso e um goleiro espetacular para a segunda rodada dos playoffs.

“Eu estou muito feliz por Robin porque tinham muitas coisas que ele estava começando a perder na vida, aquelas importantes, e as recuperou”, disse Trotz. “Ele sabe que não as terá de volta para sempre, a menos que continue trabalhando duro para fazer o que tem feito para manter o nível de disciplina e felicidade que precisa ter.”

A importância de falar sobre saúde mental

Parte da gestão de tudo isso, pelo menos na perspectiva de Lehner, é continuar a contar sua história e ser a cara da saúde mental na NHL. Existem jogadores que compartilham os mesmos problemas de Lehner, alguns em uma situação melhor e outros em pior, mas raramente ouvimos falar deles. E não é obrigatório que esses jogadores falem sobre isso da forma que Robin fez, mas é importante que eles saiam das sombras em que se encontram e encontrem a luz que precisam para a conseguir a ajuda necessária.

O ex-jogador da NHL, e agora locutor, Carey Hirsch, que também tem sido muito aberto sobre seus desafios com sua saúde mental, disse que conversou com Lehner no início do processo e o dá créditos por ter tido a coragem de se expor desta maneira. “O negócio é o seguinte, segredos são tóxicos”, afirma Hirsch. “Essa é a primeira coisa que você aprende sobre saúde mental. Quando você está escondendo um problema relacionado à saúde mental, está escondendo a vergonha, está escondendo o constrangimento, está escondendo a culpa. Uma vez que você fala sobre, isso perde seu poder.”

O que falar sobre saúde mental trouxe para Lehner e Isles

Houve uma época em que muitas equipes não teriam nem chegado perto de Lehner. Os Islanders fizeram isso pois estavam desesperados por alguém que pudesse parar o disco e porque Trotz e Lamoriello são progressistas e estão envolvidos neste jogo há muito tempo. Do ponto de vista financeiro, o risco era pequeno. Um salário de US$1,5M, incluindo um bônus de assinatura de US$200M, em um contrato de um ano.

Provavelmente ninguém neste cenário havia pensado no início da temporada 2018-19 que a dupla Lehner-Greiss, que Trotz dizia ser tão boa e não receber crédito suficiente por sua participação em tudo isso, ganharia o Jennings Trophy por menor média de gols sofridos na liga. “Robin se arriscou”, disse Trotz. “Ele teve um grande apoio de seus companheiros de time. Isso é o que tornou especial. E, então, ele parou o disco.”

E ele o fez. Portanto, agora, à medida que Lehner continua em uma carreira que ainda tem muitos anos pela frente, ele pode executar melhor suas habilidades menos sobrecarregado que nunca por seus problemas.

Reprodução/NHL

Incentivos e mudanças que devem acontecer

Existem outros jogadores que também estão sofrendo em silêncio, já que é isso que os números nos dizem. Há estimativas de que até 20% da população geral está lidando com algum tipo de problema relacionado à saúde mental. Então, se aplicar isso a uma liga com 31 times com escalações de 23 jogadores cada, haverá até 150 jogadores da NHL que estão carregando algo dentro de si.

Agora, um desses jogadores, ou talvez um dos juniores ou de ligas menores, pode olhar para todo o avanço que aconteceu na carreira de Lehner e tomar a mesma decisão. “O que ele fez por saúde mental, ele explodiu as portas de tudo”, disse Hirsch. “Ele fez isso, especialmente para o hóquei.”

Ao aceitar o Masterton Trophy, Lehner disse que teve dificuldade em conter as lágrimas. Se ele tivesse chorado, teriam sido lágrimas de alegria. Lehner disse que recentemente jantou com os médicos do programa comportamental da NHL/NHLPA e eles disseram que mais jogadores já se apresentaram e pediram ajuda por causa do exemplo que Lehner deu. Ele disse que por ser tão aberto sobre isso, o programa pela primeira vez foi capaz de trabalhar em conjunto com a equipe.

“O problema é que nem todo mundo vai falar sobre isso para a equipe”, disse Lehner. “Porque assim que isso vier à tona, isso afetará seu futuro financeiro, negociações e contratos. Mais pessoas estão falando sobre isso, mas há muito mais trabalho a ser feito. É bom falar sobre tudo isso, mas as mudanças precisam ser feitas.”

Este artigo foi traduzido e adaptado, para ler o original clique aqui.