Usuários do site TexAgs, dedicado aos esportes da Texas A&M University, começaram a chamar um jovem quarterback colegial de “Johnny Football”, porque o consideravam muito promissor. O rapaz, cujo verdadeiro nome era Johnny Manziel, já havia recebido oferta de bolsa de Texas A&M, entre outras academias, e era acompanhado por olheiros. Após a formatura no high school, ele de fato entrou para Texas A&M e se tornou um dos maiores talentos da universidade. E o que isso tem a ver com hóquei? Foi assim que um rapaz baixinho e franzino ganhou o apelido “Johnny Hockey” e se tornou um fenômeno do hóquei universitário: Johnny Gaudreau.

Atletas têm apelidos que reforçam seus talentos ou alguma habilidade ou característica marcante. Pelé era O Rei. LeBron James é The King. Michael Jordan é Air, Earvin Johnson é Magic, Joe Montana é Cool Joe, Evander Holyfield é The Real Deal, Valentino Rossi é The Doctor e por aí vai.

Acontece no hóquei, também. Talvez os mais notórios sejam Wayne Gretzky, The Great One, Maurice Richard, The Rocket, e Gordie Howe, Mr. Hockey. Mas muitos outros têm suas alcunhas, sejam eles jogadores lendários ou nem tanto: Mark Messier é The Moose, Jon Mirasty é Nasty.

Filho de Jane e do ex-jogador de hóquei universitário Guy Gaudreau, John Michael Gaudreau nasceu no interior de Nova Jersey e era o mais velho de três irmãos, seguido de Matthew e Kate. Ele foi federado nas categorias de base do hóquei com o nome Johnny Gaudreau — diminutivo de John.

Gaudreau disputou apenas uma temporada com o Dubuque Fighting Saints, da United States Hockey League, liga juvenil que costuma ser porta de entrada para muitos jogadores americanos. No Draft de 2011, ele foi selecionado pelo Calgary Flames na quarta rodada, ou seja, uma escolha para depth chart e nada mais.

O jogador participou do training camp, mas não assinou com o Flames e seguiu para Boston College, motivado pelo técnico Greg Cronin. Foi lá que começou a despontar como um jovem fenômeno.

Foram três temporadas jogando pelo Eagles, com 13 prêmios individuais, incluindo um MVP de sua divisão, e um título universitário, em 2012, com gol na finalíssima contra Ferris State. Gaudreau se tornou um dos maiores talentos da história de Boston College.

Campeões: Matt (de terno) e seu irmão Johnny Gaudreau, pelo Boston College. (Foto: Richard T. Gagnon/Getty Images)

Em paralelo, um jogador de futebol americano universitário dominava as manchetes: Johnathan Manziel, mais conhecido como Johnny Manziel — nome e diminutivo que divergem da escrita mais comum, sem o H: Jonathan e Jonny.

Em 2012, Manziel conquistou o Heisman Trophy, prêmio de melhor jogador de futebol americano universitário. Foi o primeiro calouro a recebê-lo.

Além do talento, o quarterback ganhou notoriedade por seu comportamento, que era considerado extravagante e muitas vezes controverso. Ele foi acusado de receber dinheiro em atividades ligadas à carreira de atleta universitário, algo que a NCAA proíbe e coíbe.

Ciente de que o apelido Johnny Football poderia ser explorado comercialmente, Manziel o registrou, transformando-o em uma marca protegida por direitos autorais.

E como o futebol americano universitário é a modalidade mais acompanhada dos Estados Unidos, é natural que tudo que aconteça nesse universo fure a bolha. Gaudreau foi finalista do Hobey Baker Award em 2013, prêmio de melhor jogador de hóquei universitário. Em 2014, ele conquistou o troféu.

Os alunos de Boston College rapidamente fizeram a ligação: se Texas A&M tem o melhor jogador de futebol americano e ele é Johnny Football, Boston tem o melhor jogador de hóquei. Ele só pode ser Johnny Hockey!

Assim nasceu o apelido.

A história logo separou as trajetórias dos Johnnies. O Football disputou apenas duas temporadas na NFL, a segunda delas incompleta, e o talento que mostrou na universidade não o seguiu para os profissionais. O Hockey enfim assinou com o Flames em 2014 e em pouco tempo se provou um jogador pronto para a NHL.

Seguindo o exemplo de Manziel, Gaudreau protegeu o apelido Johnny Hockey com um registro de propriedade intelectual.

Interrompida de forma revoltante, a carreira de Gaudreau justifica a alcunha Johnny Hockey: foram 11 temporadas na NHL, com passagens por Flames e Columbus Blue Jackets, 743 pontos em 763 jogos.

Infelizmente, jamais se saberá aonde teria chegado, mas seu nome e apelido estão eternizados na história do esporte.

Johnny Hockey, a tragédia e o legado

Foto: NHL.com

As mortes de Johnny Gaudreau e de seu irmão, o jogador de ligas menores Matty Gaudreau, chocaram o público da NHL de um jeito nunca visto. Atingidos por um motorista embriagado enquanto andavam de bicicleta, os irmãos estavam em Nova Jersey para o casamento da irmã caçula, Kate, que seria no dia seguinte.

O acidente aconteceu na noite de 29 de agosto e, sem autorização da família, a notícia foi vazada por um jornalista, fazendo com que a madrugada inteira fosse de informações desencontradas. O óbito foi formalmente notificado na manhã do dia 30.

Claro, uma atitude irresponsável afeta as vidas não apenas das vítimas diretas, mas também de todos ao redor. Johnny deixou a esposa, Meredith, a filha Noa e o filho Johnny Jr. Matty deixou a esposa, Madeleine. Uma semana depois, Meredith anunciou que estava grávida do terceiro filho do casal, enquanto Madeline estava esperando seu primeiro bebê com Matty — as crianças já nasceram. O filho de Madeline e Matty se chama Tripp e o terceiro filho de Meredith e Johnny se chama Carter.

Juntas, Meredith e Madeline organizaram a John and Matty Foundation, que tem, por missão, dar suporte ao hóquei no gelo de base, ajudar famílias de jogadores que passem por dificuldades e oferecer apoio a vítimas de acidentes e fatalidades no trânsito, sobretudo assessoria jurídica.

Os meses que precedem a abertura da temporada da NHL costumam ser de expectativas, o retorno do time campeão, o banner, o desempenho inicial de potenciais favoritos… para 2024-25, infelizmente, o sentimento foi de consternação. Era sabido que as primeiras partidas seriam repletas de homenagens póstumas a Johnny e a Matty.

As mais emocionantes foram em Ohio. Sean Monahan, que havia jogado com Johnny Hockey em Calgary, assinou com o Blue Jackets na offseason justamente para se reunir com ele. Monahan foi escolhido para o face-off cerimonial em homenagem a Gaudreau, na abertura da temporada em Columbus.

O atacante marcou um gol na derrota por 4 a 3 e o dedicou ao saudoso colega. “Senti que ele estava nos olhando hoje, tive um pressentimento que marcaria um gol. Perdemos, o que é horrível, mas sem dúvida senti a presença de Johnny aqui”, disse.

Coincidentemente, do outro lado, pelo Florida Panthers, estava um ex-companheiro de ambos em Calgary, Matthew Tkachuk. “Johnny foi um dos melhores colegas de time que tive e, para além disso, um grande amigo”, falou. “Seu legado vai ficar para sempre.”

Posteriormente, o nome de Gaudreau foi exaltado durante o fim de semana da Stadium Series, cuja única partida da temporada foi disputada em Ohio. O Blue Jackets venceu o Detroit Red Wings por 5 a 3. Ao lado do filho e da filha, Meredith acompanhou o time ao rinque e diversas homenagens foram prestadas.  “Tudo que aconteceu aqui foi para ele”, afirmou Zach Werenski. “Ele adoraria estar aqui”, falou o capitão Boone Jenner.

Gaudreau também se tornou símbolo das Seleções dos Estados Unidos: campeã mundial, a Sub-20 deixou um armário no vestiário dedicado a Gaudreau durante todo o torneio, com o equipamento do jogador. A prática se repetiu com a equipe adulta, durante o 4 Nations Face-Off, e sua camisa era presenteada ao melhor jogador americano após cada partida.

 

Texto por: Thiago Leal.